No
Céu também há cavalariças. É isso que ensina o burro do Presépio. Jesus disse:
"Na casa de meu Pai há muitas moradas" (Jo 14, 2). O burro diz que
algumas delas têm estrebaria.
Nos
palácios do Céu estão os grandes apóstolos, os mártires heróicos, pastores
atentos, doutores sublimes, virgens puras, santos incomparáveis. Mas lá também
há lugar para aqueles de nós que nos limitamos a levar com fidelidade e
diligência a carga que nos foi imposta. Sem fazer coisas extraordinárias, sem
sequer compreender bem o sentido de tudo isto, mas desempenhando todos os dias a
tarefa que nos está atribuída. É normal que no fim não tenhamos lugar nas
mansões do Céu. Mas lá até as cocheiras são maravilhosas. Porque no Céu os
currais são Presépio.
Quer
isto dizer que qualquer asno entra no Céu? Afinal também lá chegam as vozes de
burro? Não. Não basta ser um bom jerico para chegar ao Céu: é preciso mais uma
coisa. Claro que é condição indispensável ser um jumento de qualidade. E isso,
admitamos, não é nada fácil. Muitos conseguem carregar certas coisas algum
tempo, mas o bom burro é aquele que leva o que for preciso e leva-o todos os
dias. Carrega aquilo que tiver de ser, sem discutir, sem escolher, sem
resmungar, sem pedir descanso, contentando-se com a ração. Aos apóstolos,
mártires e pastores valem-lhes os feitos, aos doutores, virgens e grandes santos
cabem-lhes os merecimentos. Mas os burros apenas lá chegam pela fidelidade e
diligência.
Existe
ainda uma outra condição: é preciso reconhecer o tempo em que se é visitado (cf
Lc 19, 44). Além de levar a carga tem de se compreender o que a carga tem
dentro. É preciso perceber que no jugo que nos oprime está Jesus. O burro do
Presépio levava uma mulher, como tantas outras. Mas a Senhora tinha dentro de si
o Salvador. Era isso que fazia dele o burro do Presépio. Aqueles que pretenderem
seguir os seus passos para chegar ao Céu têm de reconhecer que dentro de tudo o
que levam na vida está o mesmo Jesus. Só assim a vida ganha sentido. Só assim a
tarefa bruta, árdua, pesada que repetimos quotidianamente se torna caminho de
salvação.
Aliás
desta forma o caminho do burro do Presépio ganha uma grandeza que, em certa
medida, é superior aos demais. Porque nem todos são apóstolos, poucos são
pastores atentos e doutores sublimes, são raras as virgens puras e os santos
incomparáveis. Mas todos, até esses, numa altura ou outra do caminho para o Céu,
têm de passar pela tarefa do burro do Presépio. Todos os santos cumprem com
fidelidade e diligência a tarefa que lhes está atribuída: "Se alguém quiser vir
após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" (Mt 16, 24).
Assim se entra no Céu, levando a carga da vida, reconhecendo nela a presença do
Senhor: carregar a nossa cruz, de onde pende Cristo.
Esta
é a grandeza do burro do Presépio, uma das mais notáveis da história da
salvação. Mesmo que acabe na cavalariça, mas numa cavalariça do Céu. Mesmo que
termine num estábulo, mas num estábulo transformado em Presépio pela presença do
Senhor do universo. Do Senhor do universo que só se dignou deitar, não num
palácio da Terra, mas numa manjedoura. Numa manjedoura de
burro.
O
Presépio podia existir sem vaca. Podia existir sem pastores, carneiros ou magos.
Até podia existir sem S. José ou os Anjos. No Presépio existem apenas três
personagens indispensáveis: Jesus, Maria e o burro. Jesus é o Deus que se faz
homem, que muda o sentido do universo, que cria o Presépio. Maria é o caminho
que Jesus escolheu para vir. O burro é o meio de lá chegarem. Sem Jesus o
Presépio não havia. Sem Maria, Jesus não tinha nascido. Sem o burro, Maria não
chegaria ao Presépio.
Esta
importância volta a ver-se no final. Estas três são as únicas personagens do
Presépio que estão na Paixão. Na Semana Santa já lá não está S. José, não se
vêem os magos, pastores ou carneiros, nem sequer há vacas e os Anjos vêm de
fugida. Está lá Jesus crucificado, a Senhora das Dores e o burro que leva o Rei
no Domingo de Ramos. Até à glória da cavalariça
celestial.
João
César das Neves
in DN online
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