Bem Vindo ao Blog da Paróquia de Vila da Ponte -Arciprestado de Sernancelhe - Diocese de Lamego

"A opção fundamental da Vida de um Cristão é acreditar no Amor de Deus" Bento XVI

sábado, 24 de março de 2012

O MUNDO VEIO ATRÁS DELE!

1. A «caminhada» quaresmal aproxima‑se da sua meta e do seu verdadeiro ponto de partida: a Cruz Gloriosa, onde resplandece para sempre o Rosto do imenso, indizível amor de Deus por nós. Nesta altura do percurso (supõe‑se que encetámos uma subida «espiritual»: entenda‑se no Espírito Santo e com o Espírito Santo), baptizados e catecúmenos devem estar já a ser Iluminados por essa Luz, a ponto de se desfazerem das «obras das trevas» e de abraçarem as «obras da luz», como verdadeiros discípulos que seguem o Mestre até ao fim, que é também o princípio, a Fonte da Vida verdadeira donde jorra o Espírito Santo (sempre Actos 2,32-33; João 19,30 e 34; 7,38-39). Os catecúmenos têm neste Domingo V da Quaresma os seus terceiros «escru­tínios»: última «chamada» para a Liberdade antes da Noite Pascal Baptismal.
2. O Evangelho deste Domingo V da Quaresma (João 12,20-33) apresenta-nos o último discurso e a última aparição de Jesus em público, aos olhos da «multi­dão» (João 12,29 e 34), antes da narrativa da Ceia e da Paixão. Pouco depois, o evangelista diz‑nos que «Jesus se retirou e se escondeu deles» (João 12,36). A nós, porém, foi‑nos dado conhecer o Mistério deste escondimento, que o não é senão para se vir a manifestar (leia­‑se de novo inteligentemente o lógion de Jesus no Evange­lho de Marcos: «nada está escondido que não seja para se rnanifestar» (Marcos 4,22), e que esclarece o Mistério da Luz-que-vem (!), que é Ele, no versículo anterior). Em boa verdade, este Jesus que agora se esconde da multidão manifestar-se-á definitivamente, aos olhos de todos (também aos nossos!), na Cruz Gloriosa, último e único sinal dado (por Deus) a esta geração (Mateus 12,39‑40; 1 Coríntios 1,20‑24): «olharão para aquele que trespassaram» (João 19,37).
3. É neste contexto que «uns gregos» (João 12,20) querem ver (ideîn) Jesus (João 12,21). Note-se, desde já, o verdadeiro alcance deste desejo de ver, formulado com o verbo ideîn. De ideîn deriva, em português, ideia e identidade. A formulação deste ver com o verbo ideîn implica, portanto, que aqueles gregos não são movidos por mera curiosidade, não pretendem ver apenas Jesus por fora, isto é, ver o aspecto ou o rosto de Jesus. Eles pretendem ver a identidade de Jesus, ou seja, pretendem ver quem é Jesus. Ora, ver quem é Jesus não se resolve em cinco minutos, num simples relance de olhos. Implica uma longa e intensa convivência com Jesus. Comunicam este seu desejo a Filipe, o qual, por sua vez, o comunica a André. Filipe e André são conterrâneos, naturais de Betsaida Julia (João 1,44), e são os dois únicos Apóstolos com nome claramente grego. Os dois levam a mensagem a Je­sus (João 12,22). E Jesus marca a hora da entrevista: desde agora e pa­ra sempre. É este o sentido do a hora veio (João 12,23). Veio (elêluthen) e fica para sempre: assim o indica o perfeito usado no texto grego. Esta hora que veio é a hora da morte, ressurreição, glorificação (um único acontecimento), é a hora da Cruz Gloriosa, último e único sinal dado (por Deus) a «judeus» e a «gregos», portanto, a todos. A entrevista começou e não termina mais, pois o futuro anunciado do discípulo é o presente do Mestre, a Glória celestial em que está: «onde eu estou (eimí), aí estará (éstai) também o meu servo» (João 12,26).
Clique no slide! 4. Para o leitor atento do IV Evangelho, esta hora (hôra) de Jesus de há muito era esperada, dado que, em episódios sucessivos, Jesus vai orientando para ela o olhar dos seus discípulos. Acontece logo nas bodas de Caná, quando Jesus diz: «ainda não chegou a minha hora» (João 2,4). E, em Jerusalém, no decurso da Festa das Tendas, o narrador informa-nos por duas vezes que os judeus bem queriam prendê-lo, mas não o fazem «porque ainda não tinha chegado a sua hora» (João 7,30; 8,20). Sempre durante a Festa das Tendas, o próprio Jesus enche esta hora com conteúdo novo e significativo, quando diz: «O meu tempo (kairós) ainda não chegou» (João 7,6). Kairós não é o mero tempo cronológico, mas o tempo grávido,verdadeira enchente do tempo com a Palavra de Deus e a nossa resposta até transbordar.
5. Então, este «veio a hora», templo pleno, é toda a latitude aberta diante dos nossos olhos espantados. É a hora da Cruz Gloriosa, avenida para sempre aberta entre Deus e nós. Graça a transbordar. Tempo novo. É importante acentuar que são «uns gregos», também os gregos, que querem ver Jesus (João 12,20-21). Cenário grandioso, muito para além do imaginado, mas que mostra bem a largueza da ambiência desta hora e da audiência que segue Jesus para escutar esta cena altíssima da Revelação de Jesus acerca da chegada da sua hora que é a Cruz Gloriosa. Jesus terminará a suprema Revelação desta hora, dizendo: «Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim» (João 12,32). E os fariseus tinham dito imediatamente antes do início do nosso texto: «O mundo (ho kósmos) veio atrás dele!» (João 12,19).
6. Para fazer acorde musical com o imenso texto do Evangelho de hoje, aí está a escolha perfeita: a «aliança nova» de Jeremias 31,31-34. É a aliança nova prometida para os últimos tempos, e realizada neste Jesus que Deus ressus­citou, o qual «recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o derramou» (Actos 2,32‑33). Este Jesus é, portanto, a úni­ca Fonte do Espírito Santo, a Vida nova de Deus nos nossos corações (Romanos 2,29; 5,5; 7,6; 8,14‑27; 2 Coríntios 3,6; Gálatas 3,14; 4,6; Efésios 1,13…), com o dom do Jubileu divino do perdão dos pe­cados (João 20,19‑23). Deus «peca» sempre por excesso: é anu­lada até a «memória divina dos pecados»! Deus tinha antes escrito no nosso coração os nossos pecados (Jeremias 17,1). Eis que apaga agora essa escrita, para escrever no nosso coração o perdão (Jeremias 31,33-34).
7. Outra música igualmente intensa vem hoje da Carta aos Hebreus 5,7-9, para ajudar a compor a linha melódica que Deus toca diante de nós e dentro de nós, nas cordas mais sensíveis do nosso coração. É um dos passos mais densos do Novo Testamento. O próprio Cristo, sendo embora o Filho de Deus, Deus ele mes­mo, enquanto Homem verdadeiro, treme perante a Morte. Porém, no momento central da sua vida (central para ele e para nós), ele aceita a morte, submetendo a sua vontade humana à sua – e do Pai e do Espírito Santo – Vontade divina (conferir a Oração do Getsémani e do «Pai Nosso»). On­de toda a Humanidade, desde Adam, fracassou, ele venceu, ofe­recendo a Deus incondicionalmente a sua 1iberdade e a nós a graça do amor e do perdão. Por isso, o Pai pode levá‑lo à perfeição, verbo teleióô, que não in­dica perfeição moral (!), mas «ser feito sacerdote, perfei­to no serviço sacerdotal», por nossa causa. Perante tanta e quase insuportável riqueza, não nos resta senão cair de joe­lhos e adorar em silêncio «no Espírito e na Verdade».´

António Couto

quarta-feira, 21 de março de 2012

Seminário Maior de Lamego celebra festa de S. José


Na Solenidade de S. José, o Seminário Maior de Lamego abriu as suas portas a todos aqueles que quiseram marcar presença na festa daquela instituição, no ano em que celebra o cinquentenário da construção do actual edifício.
Presentes estiveram, para além do Sr. Bispo da Diocese, D. António Couto, também o Sr. D. Jacinto Botelho, Bispo emérito de Lamego e o Sr. D. António Rafael, Bispo emérito de Bragança-Miranda; os Srs. Bispos de Vila Real, D. Amândio Tomás; de Aveiro, D. António Francisco; e da Guarda, D. Manuel Felício.
A ocasião contou, ainda, com a presença de Sua Excelência D. Rino Passigato, Núncio Apostólico de Sua Santidade em Portugal.
Por volta das 09h30 começaram a chegar os convidados, familiares e amigos dos seminaristas, sócios da ASEL e sacerdotes da Diocese de Lamego e de outras Dioceses que quiseram marcar presença.
Pouco depois das 10h00, o Rev. P. Paulo Alves, Reitor do Seminário Maior, deu as boas vindas a todas as pessoas e, pouco depois, deu-se início à apresentação do livro "Nova Evangelização, um desafio contra a indiferença", da autoria de Rino Fisichella, editado, em Portugal, pela Paulus. A apresentação do livro esteve a cargo do Sr. D. António Couto que, foi percorrendo os vários temas e capítulos da obra, até concluir: «O Livro é acessível a todos. Oportuno para este tempo em que a Igreja prepara o Sínodo sobre “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. Ajuda a despertar a consciência cristã contra todas as indiferenças paralisantes.»
Seguiu-se a conferência do Sr. D. António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro, subordinada ao tema: “Família e Seminário: novos contextos, desafios e caminhos”. Partindo da sua experiência e recorrendo frequentemente a memórias relacionadas com o Seminário de Lamego, onde teve a seu cargo várias funções educativas ao longo de alguns anos, o Sr. D. António Francisco alertou para a necessidade de a família ser novamente um foco de vocações para os mais jovens.
Por volta do meio dia, teve início a Eucaristia, presidida por Sr. D. Rino Passigato, Núncio Apostólico, concelebrada pelos Bispos e sacerdotes presentes, perante uma assembleia bastante numerosa. Na sua homilia, depois das saudações, o Sr. Núncio meditou sobre a figura ímpar de S. José, e propos aos seminaristas presentes, não só de Lamego, mas também de outras Dioceses, algumas passagens da Carta que Bento XVI escreveu aos seminaristas a 18 de Outubro de 2010.
Depois do convívio do almoço, seguiu-se uma sessão de canto lírico, proporcionado por professores e uma antiga aluna do curso de Música do Instituto Piaget, de Viseu.
As comemorações terminaram com uma breve e simples celebração mariana, presidida pelo Sr. P. Paulo Alves, Reitor do Seminário.

Intervenção do Sr. D. António Couto no Dia do Seminário Maior de Lamego



Apresentação do livro "A Nova Evangelização, um desafio para sair da indiferença", de D. Rino Fisichella, no Seminário Maior de Lamego, a 19.03.2012, por ocasião da Solenidade de S. José

1. Na homilia da celebração das Primeiras Vésperas da Solenidade de São Pedro e São Paulo, celebradas na Basílica de São Paulo Fora de Muros, na tarde de 28 de Junho de 2010, o Papa Bento XVI deu a conhecer o seu propósito de criar, sob a forma de Conselho Pontifício, um novo organismo com a missão especial de promover uma renovada evangelização nos países onde já ressoou o primeiro anúncio do Evangelho, mas que, entretanto, esmoreceram na dinâmica e na vivência da sua fé.
2. Quase três meses depois, em 21 de Setembro de 2010 (Festa litúrgica de São Mateus), através da Carta Apostólica Ubicumque et semper, Bento XVI cria, para os efeitos já antes anunciados, o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, e nomeia seu Presidente Mons. Rino Fisichella.
3. No seguimento dos grandes Documentos do Concílio II do Vaticano (Lumen Gentium, Gaudium et Spes, Sacrosanctum Concilium, Dei Verbum, Ad Gentes), e das grandes Encíclicas de Paulo VI e de João Paulo II (Evangelii Nuntiandi, Redemptoris Missio, e outras), Bento XVI vive com rara intensidade a questão premente da transmissão do Evangelho neste mundo em mudança. Tendo em conta a evidência de que a estrada que atravessa o Ocidente já foi uma estrada calcorreada quase na totalidade por Cristãos, e que hoje já o não é, e resvala para perigosos terrenos movediços que minam os cimentos da pessoa, da cultura, da fé, da família, da escola, da igreja, e praticamente de todas as instituições, Bento XVI não pode deixar de gritar a este mundo a pessoa de Cristo e o seu Evangelho.
4. A criação deste Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização é fruto desta preocupação de Bento XVI de imprimir à Igreja um novo impulso Missionário e Evangelizador.
5. Recordemos que, em termos de vocabulário, o Concílio I do Vaticano (1869-1870) usou uma única vez o termo «Evangelho», e nenhuma os termos «Evangelizar» e «Evangelização». O Concílio II do Vaticano (1962-1965), por sua vez, empregou o termo «Evangelho» por 157 vezes, «Evangelizar» por 18vezes, e «Evangelização» por 31 vezes.
6. Por sua vez, a expressão «Nova Evangelização» começou por se ouvir nos anos 70 na América Latina, ficando consagrada no famoso Documento de Puebla, de 1979. No âmbito do magistério papal, é João Paulo II que a usa pela primeira vez em Nova Huta (Polónia), em 09 de Junho de 1979. Emprega-a depois em Porto Príncipe (Haiti), na V Conferência do Episcopado Latino-Americano (V CELAM), em 09 de Março de 1983. É neste contexto que João Paulo II articula, pela primeira vez, a expressão «Nova Evangelização» com as expressões «novo ardor», «novos métodos», «novas expressões». Usá-la-á ainda, com grande relevo, na Encíclica Redemptoris Missio, n.º 33, onde distingue três situações diferentes no âmbito da missão da Igreja: a) a missão ad gentes, que se dirige àqueles que nunca ouviram o anúncio do Evangelho de Cristo; b) o cuidado pastoral da Igreja, que se dirige a comunidades cristãs vivas, testemunhais e dinâmicas, estabelecidas em bases sólidas; c) a nova evangelização, a levar a efeito em áreas de antiga tradição cristã, mas em que se perdeu o sentido vivo da fé, em que as pessoas não se reconhecem nem se querem ver como membros da Igreja, e vivem longe de Cristo e do seu Evangelho.
7. D. Rino Fisichella expõe, de forma clara e acessível, toda esta problemática, mas é de opinião que se ponha de lado, pelos equívocos que pode causar, o termo «reevangelização», usado como sinónimo de «nova evangelização» na Redemptoris Missio, n.º 33.
8. Acabei de filtrar os primeiros dois Capítulos do presente Livro de D. Rino Fisichella, que são de carácter introdutório e se intitulam respectivamente «Um desafio» (p. 5-20) e «A nova evangelização» (p. 21-31). Entenda-se: a nova evangelização constitui um desafio para D. Rino Fisichella e para a Igreja inteira, nesta hora de mudança epocal em que todas as certezas parecem resvalar não se sabe para onde, de tal modo que é hoje difícil apresentar, no domínio sócio-cultural, o simples «estado da questão» (status quaestionis), parecendo mais que nos devemos contentar com o «fluxo da questão» (fluxus quaestionis).
9. Parece-me que é o que D. Rino Fisichella pretendia fazer no Capítulo III, intitulado «O contexto» (p. 33-58), que enche com temas como o secularismo, a desorientação, a crise, o depois da crise, o contributo dos cristãos, o futuro. É, quanto a mim, um Capítulo frágil, em que a análise escorrega tanto como o chão escorregadio do fluxus quaestionis.
10. Acho imprescindível o tema do Capítulo IV, «Centralidade de Jesus Cristo» (p. 59-73). Mas gostaria de o ver tratado com mais ousadia e grandeza. Por que não abordar aqui o «estilo», o «modo», o «como» de Jesus, que é o essencial e o verdadeiramente necessário numa obra sobre a Nova Evangelização. Viria fora um estilo feliz, apaixonado, ousado, pobre, despojado, próximo e dedicado. Imprescindível fazer nosso este estilo nos caminhos da Nova Evangelização.
11. O Capítulo V intitula-se «Os lugares da nova evangelização» (p. 75-90). Considero-o um dos mais conseguidos. Os cinco «lugares» apontados são: a liturgia, com destaque para a homilia, a caridade, o ecumenismo, a imigração e a comunicação. Saliento o tom incisivo do tema da caridade, sobretudo quando Rino Fisichella apresenta o caso paradigmático de Blaise Pascal. Por aqui se vê também a importância dos exemplos e da imagem. Revela D. Rino Fisichella que, tendo caído gravemente doente, Pascal pediu os últimos sacramentos, mas que lhe foi recusado o viático, que é a última comunhão que se dá aos doentes, porque Pascal era jansenista. Pascal terá pedido então para ser levado para o hospital dos Miserables, dos mais pobres, para comungar a destino dos pobres com quem Cristo se identifica, já que não o podia comungar sob as espécies eucarísticas. Também este pedido lhe foi negado, dado que Pascal era nobre. Pascal pediu então com insistência que, ao menos, pusessem um pobre perto da sua cama, para nele poder contemplar Cristo. Também esta vontade lhe foi negada. E foi mesmo só no fim da sua vida que pôde receber a sagrada comunhão e morrer em paz com a Igreja. Este quadro fantástico encontra-se nas p. 83-84.
12. O Capítulo VI intitula-se «As perspectivas» (p. 91-114), e apresenta observações conhecidas, mas que é sempre bom lembrar. Esclarece, por exemplo que, na expressão «nova evangelização» não é o Evangelho que muda; mas pode mudar o modo de divulgar a mensagem. E também que esta insistência na (Nova) Evangelização não fica a dever-se à provocação do secularismo, mas deriva do mandato do próprio Cristo de levar o Evangelho a toda a criatura. É, portanto, de fundo, e não de superfície. Apela bem a que a pastoral reveja a posição do sacramento da Reconciliação e da direcção espiritual, colocando-os no centro da sua acção. Fala bem do sentido de identidade e pertença à comunidade, e da importância da catequese. Afirma a importância de uma nova antropologia, mas o texto parece-me pouco ousado. Encontra-se, neste apartado, porém, do meu ponto de vista, a frase mais incisiva do livro: «nunca poderemos pensar numa fé forte ao lado de uma razão fraca» (p. 113).
13. O Capítulo VII intitula-se «Os novos evangelizadores» (p. 115-136), e elenca o bispo, enquanto sucessor dos apóstolos, mas chama bem a atenção para o facto de esta missão ser participada e partilhada pelos sacerdotes, que juntamente com o bispo formam o unum presbyterium, ou seja, um único corpo sacerdotal ao serviço do povo de Deus, e salienta a necessidade de a Igreja ter de ter bons sacerdotes, santos, e bem preparados. Reclama ainda a importância do testemunho dos consagrados para a evangelização e a vida missionária, bem como o papel imprescindível dos fiéis leigos no coração do mundo.
14. Os últimos Capítulos são dedicados à importância da beleza, merecendo destaque neste contexto a Catedral, que deve ser uma Bíblia aberta e um compêndio aberto de arte cristã, em que as pedras e os vitrais falem tanto como o bispo. D. Rino Fisichella apresenta como ícone da Nova Evangelização a Sagrada Família de Gaudí, em Barcelona, templo quase alucinatório, levantado do chão pelo povo e pelo génio de Gaudí. Levantado do chão para nos fazer chegar até Deus. Ou o diálogo do poeta e do pedreiro. Pergunta o poeta: «Que fazes, amigo?». «Corto uma pedra», responde o primeiro. Um pouco mais à frente, o poeta repete a pergunta a outro pedreiro, que responde: «ajudo a erguer uma coluna». Mais adiante, a mesma pergunta é dirigida a um terceiro pedreiro, que responde: «Estou a construir uma catedral!» (p. 171). Passa por aqui, pela afinação desta caixa de velocidades, a Nova Evangelização.
15. O Livro é acessível a todos. Oportuno para este tempo em que a Igreja prepara o Sínodo sobre «A nova evangelização para a transmissão da fé cristã». Ajuda a despertar a consciência cristã contra todas as indiferenças paralisantes.
+ António Couto, Bispo de Lamego

Rino FISICHELLA, A Nova Evangelização. Um desafio para sair da indiferença, Lisboa, Paulus Editora, 2012, 175 p.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Que o Senhor nos torne humildes como São José

Um santo humilde e humilde trabalhador que teve a honra de ser o custodio do Redentor. São Mateus caracteriza São José com uma palavra: era um justo…justo é o homem que se encontra imerso na Palavra de Deus que vive na Palavra de Deus, que vive a lei não como jugo mas como alegria, vive a Lei como Evangelho

São José, encontrava-se imergido na Palavra de
Deus escrita, transmitida na sabedoria do seu povo. E precisamente assim estava preparado e chamado a conhecer o Verbo Incarnado. Esta permanece para sempre a sua missão: ser o guardião da Igreja, de nosso Senhor.

Entreguemo-nos neste momento à sua custodia; rezemos para que nos ajude no nosso humilde serviço; caminhemos com coragem sob esta protecção: Estamos gratos pelos humildes santos, peçamos ao Senhor que nos torne também humildes no nosso serviço e assim, santos na companhia dos santos.



(Bento XVI - discurso de agradecimento no final dos Exercícios Espirituais em 19.03.2011)

São José, guardião fiel dos mistérios da salvação

São Bernardino de Siena (1380-1444), franciscano
Homilia sobre São José; OC 7, 16. 27-50

Quando a bondade divina escolhe alguém para uma graça singular, dá-lhe todos os carismas necessários, o que aumenta muito a sua beleza espiritual. Isto verificou-se totalmente com São José, pai legal de Nosso Senhor Jesus Cristo e verdadeiro esposo da Rainha do mundo e Soberana dos anjos. O Pai eterno escolheu-o para ser o guardião fiel dos Seus principais tesouros, quer dizer, de Seu Filho e de Sua esposa, função que ele desempenhou muito fielmente. Foi por isso que o Senhor disse: «Servo bom e fiel, entra no gozo do teu senhor» (Mt 25, 21).

Se comparares José com o resto da Igreja de Cristo, não é verdade que é um homem particularmente escolhido, pelo qual Cristo entrou no mundo de maneira regular e honrosa? Pois se toda a Santa Igreja é devedora para com a Virgem Maria porque foi a Ela que foi dado receber Cristo, após Ela, é a São José que deve um reconhecimento e um respeito sem paralelo.

Ele é, com efeito, o epílogo do Antigo Testamento: é nele que a dignidade dos patriarcas e dos profetas recebe o fruto prometido. Só ele possuiu realmente o que a bondade divina lhes tinha prometido. Certamente não podemos duvidar de que a intimidade e o respeito que, durante a Sua vida humana, Cristo deu a José, como um filho a seu pai, não lhe foram negados no céu, antes foram enriquecidos e completados. O Senhor também acrescentou: «Entra no gozo do teu senhor».

Lembra-te de nós, bem-aventurado José, intercede, pelo auxílio da tua oração, junto de teu Filho adoptivo; torna igualmente propícia a bem-aventurada Virgem, tua esposa, porque Ela é a mãe Daquele que, com o Pai e o Espírito Santo, vive e reina pelos séculos sem fim.

S. José

Hoje, comemoramos o grande patrono da Igreja Universal, São José. Ninguém ignora que São José é o esposo de Nossa Senhora e pai adoptivo de Jesus. A Bíblia não fala muito dele. No entanto, o amor cristão faz de cada palavra do Evangelho de São Mateus um ensinamento novo para a vida. Eis alguns factos que sempre recordamos: A ordem dada a São José, de receber Maria como esposa. É o fim do Antigo Testamento e o começo do Novo. Ele é o patriarca, o grande pai. A fuga para o Egipto e a volta lembram a história de todo o povo de Israel - o Êxodo. Portanto, São José é o amigo do povo, dos pobres, dos pequeninos, dos perseguidos e dos sofredores. Da Bíblia, recebeu ele o título maior que ela costuma dar a alguém: Justo. São José era um homem "justo". Tanto a Idade Média quanto os tempos modernos lembraram muito São José como modelo para o lar e, também, para o operário. A simplicidade e a fidelidade fizeram de São José o protector escolhido para Maria e para o próprio Jesus, bem como para todos nós.

A LUZ VEIO AO MUNDO PARA FICAR ACESA NO MUNDO

Março 17, 2012

1. Com o olhar cada vez mais fixo na Cruz Gloriosa, em que foi entronizada a Luz que dá a Vida verdadeira, Bapti­zados e catecúmenos continuam a sua «caminhada» quaresmal: memória do baptismo [= execução do programa filial baptis­mal] para os baptizados, preparação para o baptismo por parte dos catecúmenos (SC 109), que têm neste IV Domingo da Quaresma os seus segundos «escrutínios»: segunda «cha­mada» para a Liberdade.
2. O Evangelho deste Domingo IV da Quaresma (João 3,14-21) mostra-nos a toda a luz o «Filho do Homem», que deve (deî) ser levantado [= crucificado/exaltado/glorificado] como o verda­deiro «Servo do Senhor» (Isaías 52,13), logo identificado com Cristo Jesus (Filipenses 2,9), o Filho Unigénito de Deus, «a Luz que veio ao mundo» (João 3,19; 12,46) para dar a Vida ao mun­do (João 1,4; 3,15‑16). Veio (elêluthen) ao mundo e permanece acesa no mundo, como indica o perfeito usado no texto grego. Marcos recorre à crueza da linguagem para nos fazer compreender melhor o Mistério desta Luz-que-vem: «Vem a Luz (!) para ser colocada debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não, antes, para ser colo­cada sobre o candelabro? Na verdade, nada está escondido que não seja para se manifestar» (Marcos 4,21‑22). Tendo vindo na humildade da condição humana, esta Luz foi entronizada na Cruz onde arde para sempre: suprema manifestação do infinito, insondável, impenetrável, incompreensível, indi­zível amor de Deus: «Deus amou (êgápêsen: aoristo históri­co!) tanto o mundo»! (João 3,16). Assim manifestada na Cruz Gloriosa, esta Luz dá a Vida verdadeira a quem para ela olhar como a imagem da cobra levantada no deserto (Números 21,8‑9). «Hão‑de olhar para aquele que trespassaram» (João 19,37). «Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim» (João 12,32). «Quando tiverdes levantado o Filho do Homem, então sabereis que “Eu Sou”» (título divino) (João 8,28).
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3. Para ter a Vida verdadeira, é necessario ver [= acre­ditar] o Filho (João 3,36; 6,40), Luz da Luz, que brilha sobre a Cruz, novo e último candelabro do amor de Deus (Actos 2,36). Ver o Filho é obra do Espírito Santo em nós (1 Coríntios 12,3). Para O ver é necessário ter nascido da água e do Espírito (João 3,5), claríssima alusão ao baptismo, a grande iluminação que abre os nossos olhos para o divi­no (Hebreus 6,4‑5: texto espantoso!) e nos faz «filhos da luz», operadores das «obras da luz», que não têm parte com as «obras das trevas» (Efésios 5,8‑14).
4. Ver o Filho do Homem levantado na Cruz é ver passar dois filmes: 1) o da nossa violência e malvadez, postas a descoberto naquele rosto desfigurado, naqueles chagas abertas, naquele sangue a escorrer ou já coalhado: está ali, bem diante de nós, a imagem do pecado que está em nós; 2) ali passa também o filme do imenso amor de Deus, que não faz frente à minha violência, mas a abraça, única maneira de a absorver e de a dissolver. A cura não é mágica. Exibida a imagem da cobra que há em nós, conhecemos agora a doença de que padecemos. Podemos, portanto, começar a tratar-nos. E o remédio também está ali posto bem diante dos nossos olhos: é o amor!
5. A grande «teologia da história» expressa no 2 Livro das Crónicas 36,14-23 deixa bem claro que, abandonando a Palavra de Deus, que é a nossa luz (Salmo 118, 105) e a nossa vida (Deuteronómio 32,47), caímos inevitavelmente nas trevas e na morte de um «exílio» qualquer. Porém, o caminho é reversível: aproximando‑nos de Deus e da sua Palavra, podemos recuperar de novo a luz e a vida. É, na verdade, «a tua Palavra, Senhor, que tudo cura» (Sabadoria 16,12).
6. O extracto da Carta de S. Paulo aos Efésios (2,4-10) acentua hoje o nosso movimento da morte para a vida em Cristo Je­sus: movimento baptismal (da morte para a vida) e fórmula baptismal («em Cristo Jesus»). Nisto se manifestou «o gran­de amor com que Deus nos amou» (êgápêsen: de novo o inaudi­to aoristo histórico!) (Efésios 2,4). Mas há muito mais «coisas» inauditas de que Paulo tem de se socorrer, inovando até o vocabulário grego (!), num esforço supremo para tentar tra­duzir este indizível «grande amor» de Deus: com Cristo nos com-vivificou (Efésios 2,5), nos com‑ressuscitou e nos com­‑sentou nos Céus (Efésios 2,6). Tudo aoristos históricos!!! Com­preenda‑se, portanto, o incompreensível: tudo isto nos aconteceu! Somos, de facto, obra de Deus! (Efésios 2,10). Demos Graças a Deus!
António Couto

O NOVO SANTUÁRIO QUE É JESUS

1. O texto do Evangelho deste Domingo III da Quaresma constitui uma Importante passagem no tecido do IV Evangelho (João 2,13-22). Jesus apresenta-se como tempo novo e Templo novo, novo espaço relacional, caminho novo aberto para o PAI, nova paginação e compreensão das Escrituras. Da Páscoa dos judeus (A) à Páscoa de Jesus (A’), do Templo antigo (B) ao Santuário novo (B’), tendo no meio o caminho da memória que começam a fazer os discípulos de Jesus (C), como podemos constatar a seguir:
«2,13E estava próxima a Páscoa dos judeus, e JESUS subiu a Jerusalém. (A)
14E ENCONTROU no TEMPLO (hierón) os vendedores de bois e ovelhas e pombas, e os cambistas sentados. 15E, tendo feito um chicote de cordas, expulsou todos do TEMPLO (hierón), as ovelhas e os bois, bem como os cambistas, espalhou as moedas, derrubou as mesas, 16e disse aos que vendiam as pombas: “Tirai isto daqui! Não façais da CASA DO MEU PAI (oíkos toû patrós mou) CASA de COMÉRCIO (oíkos emporíou)”. (B)
17Recordaram-se os discípulos d’ELE que está escrito: “O zelo da tua CASA (toû oíkou sou) me devorará”. (C)
18Responderam então os judeus e disseram-LHE: “Que sinal nos mostras de que podes fazer estas coisas?” 19Respondeu JESUS e disse-lhes: “Destruí este SANTUÁRIO (naós), e em três dias o levantarei (egeírô)”. 20Disseram então os judeus: “Em quarenta e seis anos foi edificado este SANTUÁRIO (naós), e tu em três dias o levantarás (egeírô)?” (B’)
21Isto, porém, dizia do SANTUÁRIO do seu corpo (toû naoû toû sômatos autoû). 22Quando, pois, foi ressuscitado dos mortos (êgérthê), recordaram-se os discípulos d’ELE que tinha dito isto, e acreditaram na Escritura e na palavra que JESUS tinha dito» (João 2,13-22). (A’)
2. O episódio aparece situado e datado. O lugar é Jerusalém e o seu Templo. O tempo é a Festa da Páscoa. Ora, uma FESTA é, na tradição bíblica, um ENCONTRO marcado (mô‘ed) , plural mô‘adîm, de ya‘ad [= marcar um encontro]. Um ENCONTRO marcado com Deus e com os outros. Sendo um ENCONTRO marcado com Deus e com os outros, então é sempre um espaço de alegria, de filialidade e de fraternidade. E se a FESTA é de peregrinação, como é a PÁSCOA, aqui referida [as outras duas são as SEMANAS ou PENTECOSTES e as TENDAS], então a alegria, a filialidade e a fraternidade são ainda mais intensas, dado que FESTA de peregrinação se diz, na língua hebraica, hag, plural hagîm. E o nome hag remete para o verbo hag [= dançar] e derivam de hûg, que significa círculo, e, portanto, família, lareira, encontro, alegria, música, roda, dança, vida.
3. ENCONTRO, filialidade, fraternidade: marcas acentuadas por JESUS que, em vez de Templo de pedra (hierón), diz CASA (oíkos) – com particular afecto, CASA DO MEU PAI –, sendo a CASA paterna o lugar do ENCONTRO e da intimidade, e não das coisas, da superficialidade, da banalidade, do consumismo, do mercado. Nos paralelos de Mateus, Marcos e Lucas, citando Isaías 56,7, JESUS fala do Templo usando a expressão forte «A MINHA CASA» (ho oîkós mou) (Mateus 21,13; Marcos 11,17; Lucas 19,46).
4. É neste sentido que o Livro dos Actos dos Apóstolos nos mostra a comunidade-mãe de Jerusalém a frequentar assiduamente o Templo, salientando, no entanto, que a sua maneira de prestar culto a Deus acontecia nas CASAS. Do Templo para as CASAS (Actos 2,46). Não se trata de uma simples mudança de lugar, mas de uma diferente concepção do espaço: não se trata de um espaço local, mas relacional. O novo espaço cultual é a comunidade que vive filial e fraternalmente, verdadeira transparência de Jesus. A extensão deste espaço chama-se comunhão.
5. Sintomático é que, postos estes pressupostos, o texto refira, não que JESUS ENCONTROU filhos e irmãos, mas que ENCONTROU vendedores, banqueiros e comerciantes, contra a profecia de Zacarias 14,21, que refere que «Não haverá mais vendedor na CASA de YHWH dos exércitos naquele dia». «A CASA DO MEU PAI», «A MINHA CASA», por um lado, e o MERCADO, por outro lado, são lugares incompatíveis. São maneiras diferentes de conceber e ocupar o espaço.
6. No texto que estamos cuidadosamente a ler, o Templo é dito com três vocábulos diferentes – hierón, oíkos e naós – com significações diferentes: edifício de pedra, casa familiar, santuário (ou lugar da presença de Deus).
7. Quando, num dos típicos «mal-entendidos» do IV Evangelho, JESUS diz: «Destruí este SANTUÁRIO (naós), e em três dias o levantarei (egeírô)» (João 2,19), os judeus não conseguem distinguir entre o naós pessoal que JESUS levantará em três dias e o hierón feito de pedra que demorou 46 anos a construir (João 2,20). Em claro contraponto, o narrador explica bem, num genitivo epexegético, que JESUS «dizia isto do SANTUÁRIO do seu corpo» (toû naoû toû sômatos autoû) (João 2,21). Entenda-se: do SANTUÁRIO que é o seu corpo. Com esta explicação do narrador, fica claro que é JESUS o «lugar» da adoração de Deus, a verdadeira «Casa de Deus» (cf. João 1,51), o SANTUÁRIO de Deus.
8. A anotação do narrador, em João 2,22, faz-nos ver ainda que foi também assim que entenderam os discípulos a partir da Ressurreição de Jesus. Lição para os leitores: num tempo em que já não há Templo em Jerusalém, os leitores crentes do IV Evangelho experimentam a PRESENÇA de JESUS Ressuscitado como o seu verdadeiro «Templo».

António Couto

A SOLENE EXPOSIÇÃO DO FILHO


1. Baptizado com o Espírito Santo (Marcos 1,9-10), chamado pelo Pai «o Filho meu», «o Amado» (Marcos 1,11), tentado durante quarenta dias no nosso deserto, mas superando a prova, dominando pela doçura os animais e a nossa selvagem animalidade, Jesus totalmente vinculado ao Pai, pois d’Ele é o Filho, o Amado, vincula-se também à nossa humana condição e vincula-nos a Si («Vamos» [ágômen]: o mesmo dizer vinculativo em Marcos 1,38, na hora da Missão, e Marcos 14,42, na hora da Paixão), refazendo os nossos caminhos há muito por nós abandonados. O seu caminho filial baptismal é agora também o nosso caminho.
2. O Evangelho de Marcos refere, de facto, que Jesus nos fez deixar para trás os nossos planos (Marcos 1,37), e nos levou consigo, na hora da Missão, a Anunciar o Evangelho de Deus pelos caminhos da Galileia (Marcos 1,38), prolepse fantástica da inteira vida cristã, discipular e apostólica: com Jesus nos caminhos da sua Missão, que passam também pelo caminho da sua Paixão (Marcos 14,42). A locução «no caminho» (en tê hodô), usada sobretudo na importante secção do seguimento de Jesus «no caminho» (Marcos 8,27-10,52), fazendo-se aí ouvir por cinco vezes (Marcos 8,27; 9,33.34; 10,32.52), ajuda-nos a compreender ainda melhor que o discípulo de Jesus deve aprender a «dizer vigorosamente não» (apernéomai) a si mesmo (Marcos 8,34), expressão fortíssima empregada no texto grego de Isaías para dizer «desfazer-se dos seus ídolos de ouro e prata» (Isaías 31,7), para fazer completamente seu o mesmo caminho de Jesus.
3. É assim que chegamos ao Evangelho deste Domingo II da Quaresma (Marcos 9,2-10), em que nos é mostrada, no meio do caminho de Jesus, a cena extraordinária da Transfiguração de Jesus. A iniciativa começa por ser de Jesus, que toma consigo (paralambánô) Pedro, Tigo e João, e os faz subir (anaphérô) a um monte alto, mas passa logo para Deus com o passivo divino ou teológico «foi transfigurado» (metemorphôthê: aoristo passivo de metamorphéô) (Marcos 9,2). Não é narrada a figura de Jesus transfigurado. Apenas se fala das suas vestes brancas de uma brancura não terrena (Marcos 9,3). Fala-se também da «aparição» de Elias com Moisés (Marcos 9,4). Literalmente «fez-se ver» (ôpthê: aoristo passivo de horáô) autoîs) «a eles» (autoîs). Trata-se de um passivo intransitivo, isto é, são Moisés e Elias que se fazem ver. De per si, os nossos olhos não têm capacidade de ver tanto. Por isso também, aquele «a eles» é gramaticalmente chamado um dativo do beneficiário. É também desta maneira que são apresentadas as aparições de Deus no Antigo Testamento e as do Ressuscitado no Novo Testamento.
4. Em Marcos 9,5, Pedro reage a tanto ver. Mas o seu dizer não se ajusta ao contexto, é manifestamente desapropriado. Tendas terrenas não podem abrigar para seres celestes. Certeiramente, diz-nos o narrador, que «não sabia o que dizia» (Marcos 9,6).
5. E eis o clímax do relato, com a introdução de dois elementos divinos: a nuvem e a voz, símbolos rspectivamente da presença velada de Deus e da sua transcendência (Êxodo 24,16). Da nuvem uma voz, a voz de Deus, o único que sabe dizer bem o que se passa: «Este é o Filho meu, o Amado» (Marcos 9,8). Notem-se duas pequenas diferenças em relação ao cenário do Baptismo. Aí, a voz de Deus provém do céu (não da nuvem), e dirige-se a Jesus, em 2.ª pessoa: «Tu és o Filho meu, o Amado» (Marcos 1,11). Aqui, a voz provém da nuvem, e dirige-se a nós, em 3.ª pessoa. É, portanto, a apresentação que Deus nos faz do Seu próprio Filho. Tanto que, acrescenta logo o imperativo: «Escutai-O» (Marcos 9,8). Com este divino dizer, o Pai vincula a Si o Seu Filho do modo mais profundo (Deus não se revela a si mesmo, como no Êxodo, mas revela o Filho!), e vincula-nos a nós também ao Seu Filho, sendo Ele a Palavra que devemos escutar todos os dias, a Pessoa a quem devemos prestar atenção todos os dias.
6. Eis-nos, portanto, outra vez a sós com Jesus (Marcos 9,8), que nos dá as suas ordens, não tanto negativas, mas sobretudo abrindo já outra vez prolepticamente os caminhos da Missão depois da Ressurreição (Marcos 9,9), com o assentimento e a meditação acerca do que seria ressuscitar já a borbotar dentro de nós (Marcos 9,10).
7. O Lição do Livro do Génesis 22,1-18 apresenta-nos a figura de Abração, também ele vencedor da prova da sempre idolátrica posse que se apega a nós e a que nós nos apegamos. Na verdade, há ainda uma última posse de que Abraão tem de ser libertado: em relação a Abraão, o narrador insiste em chamar a Isaac «seu» filho (Génesis 22,3.6.9.10.13), e o próprio Abraão diz para Isaac «meu» filho (Génesis 22,7 e 8). Um refrão os reúne por duas vezes: «E iam os dois juntos» (Génesis 22,6 e 8). Ora, Isaac é o filho da promessa, é um dom, e um dom não é para se reter ou possuir. Segundo o dizer autorizado do anjo do Senhor que se faz ouvir dos céus por duas vezes, Abraão passa a prova exactamente porque «não retiveste o teu filho, o teu único, longe de mim» (Génesis 22,12 e 16). Não o reteve. Deu-o. Desapossou-se dele. Deu-o a Deus e deu-se a Deus na sua paternidade, «fazendo subir em holocausto», não um cordeiro (seh) (Génesis 22,7-8), mas um carneiro (ʼayil) (Gn 22,13). Neste episódio imenso, intenso e nebuloso, «nós podemos, todavia, compreender que, em vez de sacrificar Isaac, Abraão deverá sacrificar a sua vontade de o possuir como propriedade: é esta vontade que é mortal». Procedendo assim, Abraão é o anti-Adam. É preciso testemunhas desta libertação imensa, incrível, dramática, divina. São os dois jovens depositários do dizer de Abraão: «Vamos lá acima adorar, e voltaremos para vós» (Génesis 22,5. Importante dizer, dado que, após a acção de adoração lá em cima, o narrador dirá: «Voltou Abraão para os jovens» (Gn 22,19). Depositários de um dizer que afirmava o regresso de Abraão e Isaac, as duas testemunhas podem constatar agora, não o regresso dos dois, mas somente de Abraão. Lição de insuperável liberdade.
8. Outro imenso texto de São Paulo atravessa este Domingo II da Quaresma: Romanos 8,31‑34. «Deus entregou o seu Filho por nós» (Romanos 8,32). Eis o Desígnio (Mistério) de Deus anunciado no Antigo Testamento, realizado em Cristo, baptizado para a Morte, confirmado para a Morte, entregue por Deus à Morte. Nesta Morte Gloriosa fomos nós baptizados e confirmados com o Espírito Santo e com o fogo, e foi‑nos dado a conhecer esse Desígnio (Mistério conhecido!) (Romanos 16,25‑26; 1 Coríntios 2,7‑l0; Efésios 3,3‑11; Colossenses 1,26‑27). Desígnio (Mistério) de Deus anunciado, realizado, e dado a conhecer. A nossa missão filial baptismal é proclamá‑lo e testemunhá‑lo como o Apóstolo o proclama e testemunha.

António Couto

sábado, 3 de março de 2012

DESERTO, LUGAR DE PROVA E DE GRAÇA

1. Só secundariamente a Quaresma «prepara» para a Ressur­reição do Senhor. Na verdade, todos os «Tempos» e todos os Domingos do Ano Litúrgico – portanto, também a Quaresma e os seus Domingos – estão depois da Ressurreição e por causa da Ressurreição. E é só sob a intensa luz do Senhor Ressusci­tado com o Espírito Santo (Baptismo consumado: Lucas 12,49‑50) que a Igreja – e cada um de nós – pode celebrar autenti­camente a sua fé, proceder à correcta «leitura» das Escri­turas e encetar a «caminhada» quaresmal. Neste sentido, todos os baptizados são chamados a refazer com Cristo bapti­zado o seu programa baptismal, cujo conteúdo e itinerário conhecemos: desde o Baptismo no Jordão, passando pela Trans­figuração / Confirmação no Tabor, até à Cruz e à Glória da Ressurreição (Baptismo consumado!), escutando e anunciando sempre e cada vez mais intensamente o Evangelho do Reino e fazendo sempre e cada vez mais intensamente as «obras» do Reino (Actos dos Apóstolos 10,37-43: texto emblemático); os catecúmenos, acompanhados sempre pela Assembleia dos baptizados, «pre­param‑se» intensamente para a Noite Pascal Baptismal, início e meta da vida cristã.
2. O Evangelho deste Domingo I da Quaresma (Marcos 1,12-15) oferece-nos a figura de Jesus, acabado de apresentar pelo Pai como «o Filho meu, o amado, em quem está o meu comprazimento» (Marcos 1,11), como sintetizador perfeito da vida do povo de Israel. Eis, portanto, Jesus impelido pelo Espírito no deserto, durante quarenta dias tentado por satanás, em harmonia com os animais selvagens, servido pelos anjos (Marcos 1,12-13). Excelente analepse em que o narrador faz Jesus descer ao chão de Israel, para assumir as suas fragilidades, elevando a dura realidade do pecado do povo, do nosso pecado, a um registro de salvação. O deserto foi lugar de tentação e de queda para o povo de Israel durante quarenta anos, o tempo de uma geração, uma vida inteira, o tempo todo. Mas o deserto era também o lugar da graça, pois era Deus que conduzia o seu povo. Esquecendo a graça, não se passa a prova. Eis, então, que Jesus desce a esse chão, ao nosso chão, experimenta a nossa condição. Atravessa a prova, ressaltando a graça. Harmonia e paz. O homem, eu e tu, nós, recebemos de Deus o mandato do domínio manso da terra e dos animais (Gn 1,26 e 28). Sem sucesso. Também Jesus desce ao nosso nível, e salva pela graça o nosso fracasso, soberanamente convivendo com os animais selvagens. O texto de Marcos não perde tempo a descrever o conteúdo das tentações, nem a acção dos actores, como vemos em Mateus (4,1-11) e Lucas (4,1-13). Marcos apenas faz descer o Filho de Deus ao nosso chão escorregadio, mostrando bem a sua comunhão connosco e o seu domínio manso, novo e seguro. Do mesmo modo que, pouco depois, estando nós atarefados e aflitos em pleno mar encapelado, filmará Jesus a dormir serenamente na nossa barca, à popa (lugar de comando), com a cabeça suavemente deitada numa almofada (Marcos 4,35-41).
3. Note-se também que o «deserto» bíblico que aparece no texto não se ajusta ao que dizem os dicionários ou enciclopádias. Até contradiz esses dizeres. Na verdade, não é um lugar geográfico, mas teológico, pois é apresentado com muita água (João 3,23) cumprindo Isaías 35,6-7, 41,18 e 43,19-20, com árvores (canas) (Mateus 11,7; Lucas 7,24) e relva verde (Marcos 6,39) cumprindo Isaías 35,1 e 7 e 41,19. É um lugar provisório e preliminar, preambular, longe do que é nosso, onde se está «a céu aberto» com Deus, onde troará a voz do seu mensageiro (Isaías 40,3), de João Baptista (Mateus 3,1-3), do próprio Messias segundo uma tradição judaica recolhida em Mateus 24,26. O deserto é o lugar onde se pode começar a ver a «obra» nova de Deus (Isaías 43,19). Mas é um lugar provisório, onde estamos de passagem, e não definitivo, para se habitar lá (à maneira dos Essénios). Sendo um lugar provisório e de passagem, aponta para o definitivo, que é a Terra Prometida, onde Deus fará habitar e descansar o seu povo fiel. Este deserto é uma metáfora da nossa vida, onde sabemos que estamos de passagem. O deserto é todo igual: não tem pontos de referência nem marcos de sinalização. Quer dizer que só podemos prosseguir rumo à Terra Prometida e à Vida verdadeira, se tivermos um bom guia. Aí está o deserto como lugar onde temos de saber escutar a «Voz do fino silêncio» de Deus e ler o mapa da sua Palavra. Agora temos a companhia do Filho, que veio em nosso auxílio.
4. Mas, atenção. Depois do pequeno, mas consolador filme a que acabámos de assistir, em que vimos Jesus a descer ao nosso chão, assumindo e salvando os nossos fracassos, preparemo-nos para ouvir pela primeira vez a sua voz. Sendo os seus primeiros dizeres, são, naturalmente, programáticos para o inteiro texto de Marcos.
5. Mas antes de ouvirmos, pela primeira vez, a voz de Jesus, anotemos desde já dois notáveis dizeres do narrador, que atravessam em filigrana o inteiro Evangelho de Marcos, unindo os caminhos e os destinos de João Baptista, de Jesus e dos seus discípulos. O primeiro é este: «Depois de João ter sido entregue (paradothênai: inf. aor. pass. de paradídômi)» (Marcos 1,14). Trata-se de uma prolepse, que serve para ver já o que irá suceder a Jesus, acerca de quem o verbo será usado 13 vezes (Marcos 3,19; 9,31; 10,33; 14,10.11.18.21.41.42.44; 15,1.10.15), e aos seus discípulos (Marcos 13,9.11.12). O segundo é o uso do verbo «anunciar» (kêrýssô) para traduzir o afazer primeiro de Jesus (Marcos 1,14). E, mais uma vez, este verbo é um fio condutor que une Jesus (Marcos 1,14.38.39), João Baptista (Marcos 1,4.7), os Doze (Marcos 3,14; 6,12), algumas pessoas curadas por Jesus (Marcos 1,45; 5,20; 7,36) e a Igreja de Jesus (Marcos 13,10; 14,9). Fica, portanto, claro que, antes de pregar, ensinar e curar, Jesus, os seus discípulos, a sua Igreja, são mensageiros que anunciam em voz alta a mensagem de que são incumbidos. E é dito o conteúdo da mensagem: «O Evangelho de Deus» (Marcos 1,14). Sem equívocos então: a primeira coisa que fica expressa com esta linguagem, é que Jesus, o seu precursor (João Baptista) e seguidores (discípulos), se apresentam completamente vinculados a Deus e ao seu Evangelho [= «Notícia Feliz»], vivem de Deus e da Sua Notícia Boa, não agem por conta própria, não são emissores da sua própria sabedoria ou opinião.
Clique no slide! 6. E aí está então o primeiro dizer de Jesus, articulado em duas declarações inseparáveis: «Foi cumprido (peplêrotai: perf. pass. de plêróô) o tempo (ho kairós),/ e fez-se próximo (êggiken: perf. de eggízô) o Reino de Deus (he basileía toû theoû)» (Marcos 1,15). O acento cai sobre os dois perfeitos que abrem enfaticamente as declarações, e revelam que o Evangelho é em primeiro lugar o anúncio da inciativa divina, Deus em acção, que abre ao homem novas e belas perspectivas. O perfeito passivo (peplêrotai), que qualifica o kairós, indica bem que Jesus não se refere a qualquer segmento de tempo cronológico, mas àquele específico do cumprimento, posto expressamente sob a intervenção definitiva de Deus. Só Deus pode agir sobre o tempo cronológico, tornando-o kairós, tempo grávido de alegria e de esperança, entenda-se, da Palavra amante de Deus que, entrando em nós, reclama a nossa resposta amante e transforma a nossa vida. Uma vez mais, o anúncio precede a ordem: Jesus não começa com normas e exigências, mas assinala quanto Deus já fez e está a fazer, por sua gratuita iniciativa, em nosso favor. Só depois, e como normal consequência, surgem na boca de Jesus dois imperativos: «Convertei-vos» (matanoeîte) e acreditai (pisteúete) no Evangelho» (Marcos 1,15), que traduzem o que compete aos homens fazer. Jesus não é um moralista, mas um Evangelzador.
7. Após o drama do dilúvio (Génesis 9,8-15), Deus fala a Noé e aos seus filhos (Génesis 9,8), portanto, a toda a humanidade, anunciando que vai estabelecer a PAZ com todo o universo criado (Génesis 9,9-11), inclusive com os animais selvagens (Génesis 9,10): grandiosa abertura para o Evangelho. Sinal desta nova era de paz: Deus depõe o seu «arco-de-guerra» (arco-íris) nas nuvens (Génesis 9,12-17). O Desígnio de Deus anunciado será inexoravelmente cumprido. A paz para todos e para sempre, inaugurada em Cristo e sempre presente no seu programa filial baptismal, tem de estar igualmente presente no programa filial baptismal de cada baptizado.
8. «Na fé todos estes morreram, sem terem obtido a realização da promessa. Mas viram-na e acenaram-lhe de longe» (Hebreus 11,13). Belíssimo cenário de esperança! Todo o Antigo Testamento acena para Cristo, sua esperança. E como Deus não desilude, Cristo acena agora a todo o Antigo Testamento, levando a salvação de Deus a todos os homens e a todos os lugares, iluminando também a até então impenetrável região da morte (1 Pedro 3,18-20). Pedro dá testemunho da força do Evangelho e da Ressurreição de Cristo que nos constitui em «nova criação» pelo Baptismo (1 Pedro 3,21-22).

António Couto

Encontro Regional e Torneio de Futsal dos Jovens Sem Fronteiras em Vila da Ponte - 28 e 29 de Abril

Porquê jejuar? - Também no Paraíso se jejuava (reflexão de Bento XVI)

 
Podemos perguntar que valor e que sentido tem para nós, cristãos, privar-nos de algo que seria em si bom e útil para o nosso sustento. As Sagradas Escrituras e toda a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e tudo o que a ele induz. Por isto, na história da salvação é frequente o convite a jejuar. Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor comanda que o homem se abstenha de comer o fruto proibido: «Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás» (Gn 2, 16-17). Comentando a ordem divina, São Basílio observa que «o jejum foi ordenado no Paraíso», e «o primeiro mandamento neste sentido foi dado a Adão». Portanto, ele conclui: «O “não comas” e, portanto, a lei do jejum e da abstinência» (cf. Sermo de jejunio: PG 31, 163, 98). Dado que todos estamos entorpecidos pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor. Assim fez Esdras antes da viagem de regresso do exílio à Terra Prometida, convidando o povo reunido a jejuar «para nos humilhar – diz – diante do nosso Deus» (8, 21). O Omnipotente ouviu a sua prece e garantiu os seus favores e a sua protecção. O mesmo fizeram os habitantes de Ninive que, sensíveis ao apelo de Jonas ao arrependimento, proclamaram, como testemunho da sua sinceridade, um jejum dizendo: «Quem sabe se Deus não Se arrependerá, e acalmará o ardor da Sua ira, de modo que não pereçamos?» (3, 9). Também então Deus viu as suas obras e os poupou.