Bem Vindo ao Blog da Paróquia de Vila da Ponte -Arciprestado de Sernancelhe - Diocese de Lamego

"A opção fundamental da Vida de um Cristão é acreditar no Amor de Deus" Bento XVI

sábado, 31 de dezembro de 2011

«Glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido»


Vinde, sábios, admiremos a Virgem Mãe, a filha de David, esta flor de beleza que deu à luz a maravilha. Admiremos a fonte donde brota o princípio, a embarcação completamente carregada de alegrias que nos traz a mensagem vinda do Pai. No seu seio puríssimo, recebeu e trouxe este grande Deus que governa a criação, este Deus por Quem a paz reina na terra e nos céus. Vinde, admiremos a Virgem puríssima, maravilhosa em si mesma, a única criatura que deu à luz sem ter conhecido homem. A sua alma estava cheia de assombro, e todos os dias glorificava a Deus na alegria, por estes dons que parecia não poderem unir-se: a sua integridade virginal e o seu Filho bem-amado. Sim, abençoado seja Quem dela nasceu! [...]

Ela tem-No dentro de si e canta os Seus louvores com suaves cânticos [...]: «O Teu lugar, meu Filho, é acima de todas as coisas; mas, porque assim o desejaste, vieste repousar em mim. Os céus são demasiado estreitos para a Tua majestade, e eu, que sou tão pequena, trago-Te dentro de mim! Que venha Ezequiel e Te veja no meu regaço; que ele se prostre e adore; que reconheça em Ti aquele que viu sentar-Se no carro dos querubins (Ez 1) e que me proclame bem-aventurada, graças a Quem trago dentro de mim! [...] Isaías, que proclamaste: «Eis, a Virgem concebeu e deu à luz um filho» (7,14), vem, contempla, congratula-te comigo. [...] Eis que dei à luz mantendo intacto o selo da minha virgindade. Contempla o Emanuel, que permaneceu escondido para ti. [...]

«Vinde a mim, vós, os sábios, chantres do Espírito, profetas que nas vossas visões tivestes a revelação das realidades escondidas, agricultores que, após terdes semeado, adormecestes na esperança. Levantai-vos, saltai de alegria vendo a colheita dos frutos. Eis nos meus braços a espiga de vida que dá pão aos que têm fome, que satisfaz os miseráveis. Congratulai-vos comigo: recebi uma braçada de alegrias!»

Santo Efraim (c. 306-373), diácono na Síria, doutor da Igreja
Hino 7 sobre a Virgem

«A quantos O receberam, aos que n'Ele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus»


Contemplai os mistérios do amor e vereis «o seio do Pai», que «nos deu a conhecer o Seu Filho unigénito», que é Deus (Jo 1,18). Deus é amor (1Jo 4,8) e, devido a este amor, deixou-Se ver por nós. No Seu ser inexprimível, é Pai; na Sua compaixão para connosco, tornou-Se Mãe. Ao amar, o Pai revela também uma dimensão feminina.

A prova incontestável é Aquele que gera de Si mesmo. E este Filho, fruto do amor, é amor. Por causa deste amor, Ele próprio Se baixou. Por causa deste amor, revestiu-Se da nossa humanidade. Por causa deste amor, sofreu livremente tudo o que diz respeito à condição humana. Assim, colocando-Se ao nível da nossa fraqueza porque nos amava, pôs-nos em igualdade à Sua força. Quando estava a ponto de Se oferecer em sacrifício e Se dar a Si próprio como preço da redenção, deixou-nos um testamento novo: «Dou-vos o Meu amor» (cf Jo 13,34; 14,27). Que amor é este? Qual o seu valor? Por cada um de nós, «entregou a Sua vida» (1Jo 3,16), uma vida mais preciosa que todo o universo.

São Clemente de Alexandria (150-c. 215), teólogo
Homília «Os ricos poderão salvar-se?», 37

«E o Verbo fez-Se homem».

Caríssimos irmãos, há dois nascimentos em Cristo, e tanto um como o outro são a expressão de um poder divino que nos ultrapassa absolutamente. Por um lado, Deus gera o Seu Filho a partir de Si mesmo; por outro, Ele é concebido por uma virgem por intervenção de Deus. [...] Por um lado, Ele nasce para criar a vida; por outro, para eliminar a morte. Ali, nasce de Seu Pai; aqui, é trazido ao mundo pelos homens. Por ter sido gerado pelo Pai, está na origem do homem; por ter nascido humanamente, liberta o homem. Uma e outra formas de nascimento são propriamente inexprimíveis e ao mesmo tempo inseparáveis. [...]

Quando ensinamos que há dois nascimentos em Cristo, não queremos com isto dizer que o Filho de Deus nasça duas vezes; mas afirmamos a dualidade de natureza num só e mesmo Filho de Deus. Por um lado, nasceu Aquele que já existia; por outro, foi produzido Aquele que ainda não existia. O bem-aventurado evangelista João afirma isto mesmo com as seguintes palavras: «No princípio existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; e o Verbo era Deus»; e ainda: «E o Verbo fez-Se homem».

Assim, pois, Deus, que estava junto de Deus, saiu Dele, e a carne de Deus, que não estava Nele, saiu de uma mulher. Assim, o Verbo fez-Se carne, não de maneira que Deus Se diluísse no homem, mas para que o homem fosse gloriosamente elevado em Deus. É por isso que Deus não nasce duas vezes; mas, por estes dois géneros de nascimentos – a saber, o de Deus e o do homem –, o Filho único do Pai quis ser, a um tempo, Deus e homem na mesma pessoa: «E quem poderá contar o Seu nascimento?» (Is 53, 8 Vulg)



São Máximo de Turim (?-c. 420), bispo
Sermão 10, sobre o Natal do Senhor, PL 57, 24

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Evangelho do dia 30 de Dezembro de 2011

Depois que se completaram os dias da purificação de Maria, segundo a Lei de Moisés, levaram-n'O a Jerusalém para O apresentar ao Senhor segundo o que está escrito na Lei do Senhor: “Todo o varão primogénito será consagrado ao Senhor”, e para oferecerem em sacrifício, conforme o que também está escrito na Lei do Senhor: “Um par de rolas ou dois pombinhos”. Havia então em Jerusalém um homem chamado Simeão. Este homem era justo e piedoso; esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava nele. Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não veria a morte sem ver primeiro o Cristo do Senhor. Foi ao templo conduzido pelo Espírito. E, levando os pais o Menino Jesus, para cumprirem as prescrições usuais da Lei a Seu respeito, ele tomou-O nos braços e louvou a Deus, dizendo: «Agora, Senhor, podes deixar o teu servo partir em paz segundo a Tua palavra; porque os meus olhos viram a Tua salvação, que preparaste em favor de todos os povos; luz para iluminar as nações, e glória de Israel, Teu povo». O Seu pai e a Sua mãe estavam admirados das coisas que d'Ele se diziam. Simeão abençoou-os e disse a Maria, Sua mãe: «Eis que este Menino está posto para ruína e ressurreição de muitos em Israel e para ser sinal de contradição. E uma espada trespassará a tua alma. Assim se descobrirão os pensamentos escondidos nos corações de muitos». Havia também uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada. Tinha vivido sete anos com o seu marido, após o seu tempo de donzela, e tinha permanecido viúva até aos oitenta e quatro anos, e não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia com jejuns e orações. Ela também, vindo nesta mesma ocasião, louvava a Deus e falava de Jesus a todos os de Jerusalém que esperavam a redenção. Depois que cumpriram tudo, segundo o que mandava a Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. O Menino crescia e fortificava-Se, cheio de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele.


Lc 2, 22-40

«Regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré»

Nazaré é a escola em que se começa a compreender a vida de Jesus, é a escola em que se inicia o conhecimento do Evangelho. Aqui se aprende a observar, a escutar, a meditar e a penetrar o significado tão profundo e misterioso desta manifestação do Filho de Deus, tão simples, tão humilde e tão bela. Talvez se aprenda também, quase sem dar por isso, a imitá-la. [...] Quanto desejaríamos voltar a ser crianças e acudir a esta humilde e sublime escola de Nazaré! Quanto desejaríamos começar de novo, junto de Maria, a adquirir a verdadeira ciência da vida e a superior sabedoria das verdades divinas! [...]


[Nazaré dá-nos] em primeiro lugar, uma lição de silêncio. Oh, se renascesse em nós o amor do silêncio, esse admirável e indispensável hábito do espírito, tão necessário para nós, que nos vemos assaltados por tanto ruído, tanto estrépito e tantos clamores, na agitada e tumultuosa vida do nosso tempo! Silêncio de Nazaré, ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor de uma conveniente formação, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê (Mt 6,6).


[Nazaré dá-nos] uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré como é preciosa e insubstituível a educação familiar e como é fundamental e incomparável a sua função no plano social.


[Nazaré dá-nos] uma lição de trabalho. Nazaré, a casa do Filho do carpinteiro (Mt 13,55)! Aqui desejaríamos compreender e celebrar a lei, severa mas redentora, do trabalho humano, restabelecer a consciência da sua dignidade, de modo que todos a sentissem; recordar aqui, sob este tecto, que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que a sua liberdade e dignidade se fundamentam não só em motivos económicos, mas também naquelas realidades que o orientam para um fim mais nobre. Daqui, finalmente, queremos saudar os trabalhadores de todo o mundo e mostrar-lhes o seu grande Modelo, o seu Irmão divino, o Profeta de todas as causas justas que lhes dizem respeito, Cristo, Nosso Senhor.


Paulo VI, Papa de 1963 a 1978
Alocução em Nazaré a 5 de Janeiro de 1964 (do breviário: Ofício de Leitura da Festa da Sagrada Família)

Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José

A liturgia desta festa propõe-nos a família de Jesus como exemplo e modelo das nossas comunidades familiares… Como a família de Jesus – diz-nos a liturgia deste dia – as nossas famílias devem viver numa atenção constante aos desafios de Deus e às necessidades dos irmãos.
O Evangelho põe-nos diante da Sagrada Família de Nazaré apresentando Jesus no Templo de Jerusalém. A cena mostra uma família que escuta a Palavra de Deus, que procura concretizá-la na vida e que consagra a Deus a vida dos seus membros. Nas figuras de Ana e Simeão, Lucas propõe-nos também o exemplo de dois anciãos de olhos postos no futuro, capazes de perceber os sinais de Deus e de testemunhar a presença libertadora de Deus no meio dos homens.


A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem “em Cristo” e aceitaram ser “Homem Novo”. Esse amor deve atingir, de forma muito especial, todos os que connosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.


A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais… É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.

Festa da Sagrada Família


Caríssimos Irmãos e Irmãs
1. Poucos dias depois do Natal, a Igreja contempla hoje a Sagrada Família. Na escola de Nazaré cada família aprende a ser o centro de amor, de unidade e de abertura à vida.


No nosso tempo, um mal-entendido sentido dos direitos por vezes perturba a própria natureza da instituição familiar e do vínculo conjugal. É preciso que, a todos os níveis se unam os esforços de quantos crêem na importância da família baseada no matrimónio. Trata-se de uma realidade humana e divina que deve ser defendida e promovida como bem fundamental da sociedade.


2. Os cristãos, recorda o Concílio Vaticano II, atentos aos sinais dos tempos, devem promover "activamente o bem do matrimónio e da família, quer pelo testemunho da sua vida pessoal, quer pela acção harmónica com todos os homens de boa vontade" (Gaudium et spes, 52). É necessário proclamar com alegria e com coragem o Evangelho da família. Para esta finalidade, elevemos a nossa oração comum a Jesus, a Maria e a José por todas as famílias, sobretudo pelas que se encontram em dificuldades materiais e espirituais.


Beato João Paulo II – Excerto do Angelus de 28 de Dezembro de 2003

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

2,5 milhões de pessoas com o Papa no Vaticano, em 2011



A Santa Sé revelou que mais de 2,5 milhões de pessoas participaram nos vários encontros com Bento XVI no Vaticano e na residência apostólica de Castelgandolfo, em Roma, ao longo de 2011.


Estes dados significam “um crescimento da participação em relação aos últimos três anos”, destacando-se a celebração de beatificação de João Paulo II, a 1 de maio.


Os encontros dominicais e dias santos para a recitação da oração do Angelus (Regina Caeli, na Páscoa) reuniram mais de 1,2 milhões de pessoas, seguindo-se as várias celebrações litúrgicas (846 mil), as 45 audiências públicas semanais (400 mil) e as audiências particulares (101 mil).


Tratam-se de dados aproximados, calculados com base nos pedidos de participação nos eventos dirigidos à Prefeitura e nos ingressos distribuídos pela mesma, bem como nas estimativas de presença nas grandes celebrações na Praça São Pedro.


De fora ficam os dados relativos às quatro viagens internacionais que o Papa realizou (Croácia, Jornada Mundial da Juventude-Madrid [Espanha], Alemanha e Benim), para além das deslocações na Itália (Veneza, São Marino, Ancona, Calábria e jornada inter-religiosa pela Paz [Assis]).


Rádio Vaticano

«Agora, Senhor [...], deixarás ir em paz o Teu servo»



«O Reino de Deus está próximo» (Lc 21,31). O Reino de Deus, irmãos muito queridos, aproxima-se agora. Com o fim do mundo, anuncia-se já a recompensa da vida, a felicidade da salvação eterna, a segurança perpétua e a alegria do paraíso que outrora perdemos. E já as realidades do céu se sucedem às realidades humanas, as grandes às pequenas, as eternas às temporais. Haverá lugar à inquietação, à apreensão pelo futuro? [...]


Com efeito, está escrito que «o justo viverá da fé» (Rm 1,17). Se fordes justos e viverdes da fé, se acreditardes verdadeiramente em Jesus Cristo, porque não vos alegrareis então ao ser chamados para Ele [...], uma vez que estais certos da promessa de Deus e destinados a estar com Cristo? Tomai o exemplo de Simeão, o justo: ele foi verdadeiramente justo e observou fielmente os mandamentos de Deus. Uma inspiração divina tinha-lhe dado a conhecer que não morreria sem primeiro ter visto a Cristo. Assim, quando Cristo, ainda criança, veio ao Templo com Sua mãe, apercebeu-se, iluminado pelo Espírito Santo, de que o Salvador tinha nascido, como lhe tinha sido predito; e, à vista d'Ele, compreendeu que a sua morte estava iminente.


Muito alegre com essa perspectiva e agora seguro de ser em breve chamado para junto de Deus, tomou a criança nos braços e exclamou, bendizendo o Senhor: «Agora, Senhor, deixarás ir em paz o Teu servo, segundo a Tua palavra, pois os meus olhos viram a Salvação». Demonstrava assim e testemunhava que a paz de Deus pertence aos que O servem, que gozam da doce quietude e da liberdade, quando, subtraídos aos tormentos do mundo, alcançam o refúgio e a segurança eternos. [...] É somente então que a alma encontra a paz verdadeira, o repouso total, a segurança duradoira e perpétua.


São Cipriano (c. 200-258), bispo de Cartago e mártir
Sobre a morte, 2-3

Agora, Senhor, segundo a Tua palavra, deixarás ir em paz o Teu servo»



Hoje, começo a ser discípulo. Que criatura alguma, visível ou invisível, me impeça de ir ter com Jesus Cristo. [...] Nem os mais cruéis suplícios me perturbam, a única coisa que desejo é estar com Jesus Cristo. De que me servem as doçuras deste mundo e os impérios da terra? Mais vale morrer por Cristo Jesus que reinar até aos confins do universo. É a Ele que procuro, a Ele que morreu por nós; é a Ele que desejo, a Ele que ressuscitou por nós.

Aproxima-se o momento do meu nascimento. [...] Deixai-me abraçar a luz puríssima. Nessa altura, serei um homem. Permiti-me imitar a paixão do meu Deus. [...] Os meus desejos terrenos estão crucificados, já não tenho em mim fogo para amar a matéria, mas apenas a «água viva» (Jo 7, 38) que murmura e me segreda ao coração: «Vem para junto do Pai.» Não quero continuar a saborear os alimentos perecíveis nem as doçuras desta vida. É do pão de Deus que tenho fome, da carne de Jesus Cristo, Filho de David, e como bebida quero o Seu sangue, que é o amor incorruptível.



Santo Inácio de Antioquia (?-c. 110), bispo e mártir
Carta aos Romanos, 5-7

«Deixarás ir em paz o Teu servo»


Simeão sabia que o único que pode libertar-nos da prisão do corpo, com a esperança da vida futura, é Aquele que ele tinha nos braços. Foi por isso que disse: «Agora, Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, porque enquanto não tive Cristo nos meus braços era como que prisioneiro, estava incapaz de me libertar das cadeias.» E note-se que isto não se aplica somente a Simeão, mas a todos os homens. Se alguém abandona este mundo e quer alcançar o Reino, tome Jesus nos braços, aperte-O ao peito, e poderá chegar com grande alegria aonde deseja ir. [...]

«Todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus» (Rom 8, 14). Assim pois, foi o Espírito Santo que levou Simeão ao Templo. E tu, se desejas ter Jesus nos braços e tornar-te digno de sair dessa prisão, esforça-te por te deixares conduzir pelo Espírito, para chegares ao templo de Deus. Desde já te encontras no templo do Senhor Jesus, ou seja, na Sua Igreja, neste templo de pedras vivas (1P 2, 5). [...]

Assim pois, se vieres ao Templo conduzido pelo Espírito, encontrarás o Menino Jesus, toma-Lo-ás nos teus braços e dirás: «Agora, Senhor, segundo a Tua palavra, deixarás ir em paz o Teu servo». Esta libertação e esta partida têm lugar na paz. [...] Quem morre em paz, senão aquele que tem a paz de Deus, que sobrepuja todo o entendimento e guarda os corações e os pensamentos em Cristo (Fil 4, 7)? Quem se retira em paz deste mundo, senão aquele que compreende que Deus veio, em Cristo, reconciliar-Se com o mundo?



Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo
Homilia 15 sobre São Lucas; PG 13, 1838-1839

Homilia do Sr. D. Jacinto Botelho na Noite de Natal




Homilia pronunciada na Igreja Catedral de Lamego, a 24 de Dezembro de 2011

Chegamos à noite da Natal, para a qual procurámos preparar-nos ao longo do Advento, em ordem a podermos viver o seu genuíno significado. Ouvimos no texto do Evangelho a mensagem do Anjo do Senhor aos pastores das cercanias de Belém: Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. É a concretização da profecia de Isaías, plena de esperança, apesar de proferida num horizonte de guerras eminentes, proclamada na primeira leitura, a qual terá o pleno cumprimento com o nascimento de Jesus.
Haverá razão para recomendar este contentamento nas circunstâncias penalizantes que esmagam tantos dos nossos irmãos? Se nos fosse comunicado que a crise tinha sido ultrapassada e consequentemente as medidas de austeridade iriam ser eliminadas, encontraríamos então talvez a felicidade anunciada. Deveremos entender neste contexto o que muitas pessoas pensam e nas reportagens de rua até expressam, afirmando resolutamente que as restrições económicas, impostas e experimentadas, impossibilitam a celebração do Natal.
Que significa para nós cristãos celebrar o Natal? Sua Santidade Bento XVI disse textualmente na passada quarta-feira no resumo em espanhol da catequese habitual: “Na sociedade de hoje, onde por desgraça as festas que se avizinham estão a perder progressivamente o seu valor religioso, é importante que os sinais externos destes dias nos não afastem do significado genuíno do mistério que celebramos, isto é: o Verbo divino se fez homem e habitou entre nós. […] O Eterno entrou nos limites do espaço e do tempo para tornar possível que hoje nos encontremos com Ele. Deus está perto de cada um de nós e deseja que O descubramos, para que com a Sua luz se dissipem as trevas que escurecem a nossa vida e a humanidade.” Na explanação da catequese que precedeu o citado resumo, o Santo Padre tinha sublinhado a importância e actualidade do hoje da saudação do Anjo aos pastores: Nasceu-vos hoje o Salvador. Ouçamos novamente a sua catequese: “Este advérbio de tempo, «hoje», aparece mais vezes em todas as celebrações natalícias e refere-se ao evento do nascimento de Cristo e à salvação que a Incarnação do Filho de Deus veio trazer. Na Liturgia tal acontecimento ultrapassa os limites do espaço e do tempo e torna-se actual, presente; o seu efeito perdura, no decorrer dos dias, dos anos e dos séculos. Indicando que Jesus nasce «hoje», a Liturgia não usa uma frase sem sentido, mas sublinha que este Nascimento entra e permeia toda a história, permanece uma realidade hoje também; à qual podemos chegar precisamente na liturgia. A nós, os crentes, a celebração do Natal renova a certeza de que Deus está realmente presente no meio de nós […]: Embora estando com o Pai, está próximo de cada um. Deus, naquele Menino de Belém, aproximou-se do homem: podemos encontrá-lo agora, num «hoje» que não tem ocaso.”
Quem dera, caríssimos irmãos, que nos déssemos conta de que é d’Ele que todos estamos carenciados; é esta presença que urge descobrir. Não resisto a partilhar convosco um outro pensamento do Santo Padre mais recente ainda, na apresentação dos cumprimentos natalícios por parte da Cúria Romana, na passada Quinta-feira: “No fim deste ano, a Europa encontra-se no meio duma crise económica e financeira que, em última análise, se fundamenta na crise ética que ameaça o Velho Continente”. E comentando seguidamente a necessidade de uma autêntica reforma declara peremptoriamente: “É preciso fazer tantas coisas; mas o fazer, por si só, não resolve o problema. O cerne da crise da Igreja na Europa é a crise da fé. Se não encontrarmos uma resposta para essa crise, ou seja, se a fé não ganhar de novo vitalidade, tornando-se uma convicção profunda e uma força real graças ao encontro com Jesus Cristo, ficarão ineficazes todas as outras reformas.” Com este objectivo vai realizar-se no próximo mês de Outubro em Roma a Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, tendo por tema A nova Evangelização para a transmissão da Fé cristã, e terá início o Ano da Fé a comemorar o Jubileu da abertura do Concílio Vaticano II. Faz precisamente hoje, dia de Natal, 50 anos que o Beato João XXIII o convocou.
É esta preocupação que aqui nos congrega? Precisamos mais que nunca do Natal. Quedemo-nos então diante da pobreza do presépio e do total desprendimento de Deus que dando-Se se faz homem, na mais humilde das situações e talvez nos demos conta de que a realidade dura com que nos debatemos, acabará por ser uma oportunidade para purificarmos o nosso comportamento, eliminando atitudes de ostentação, de opulência, de esbanjamento, nunca admissíveis, mas que agora seriam uma afronta ao sacrifício imposto aos pobres, cada vez em maior número.
Vivamos o Natal com a sobriedade que o Mistério desperta, e ao mesmo tempo, em consequência, prodigalizemo-nos em gestos de solidariedade, fazendo-nos também próximos de quantos precisam, correspondendo ao pedido do santo Padre: “Que nestes dias santos, a caridade cristã se mostre particularmente activa com os mais necessitados. Para os pobres não pode haver demora.” Quero testemunhar o meu profundo apreço, o meu grande reconhecimento e muito carinho por quantos, ligados ou não, a instituições de solidariedade, multiplicam a sua solicitude, generosidade e voluntariado, aproximando-se com amor de tantos que, na miséria moral ou material em que se encontram, só sobrevivem.
Nos últimos dias, as leituras que fizemos na celebração da Eucaristia, falaram-nos de mulheres a quem a esterilidade na mentalidade do tempo envergonhava e que foram mães de personagens com missões específicas na história de Israel: a mãe de Sansão, a mãe de Samuel, a mãe de S. João Baptista. Esta esterilidade deverá alertar-nos para a esterilidade do mundo em que vivemos, para as trevas nos envolvem, e que apenas Deus na Sua Incarnação pode e quer dissipar. O Natal é fonte de vida e de fecundidade. O Natal é bálsamo de esperança em tempo de desconfiança e desalento, é luz anunciadora de tempos novos, não porque as dificuldades desaparecerão deste «vale de lágrimas», mas porque o mistério da Incarnação nos ajuda a enfrentá-las com uma perspectiva cristã. “Só a fé nos dá esta certeza: é bom que eu exista; é bom existir como pessoa humana, mesmo em tempos difíceis. A fé faz-nos felizes a partir de dentro”. Abramos humildemente o coração à proposta de salvação que Deus tão magnanimamente nos oferece e façamos, á luz do presépio, um propósito de conversão.
Há razão para a esperança e para a alegria. Rezemos por isso com a Mãe do Céu: O meu espírito se alegra em Deus meu Salvador… O Todo-poderoso fez em mim maravilhas … A Sua misericórdia estende-se de geração em geração sobre aqueles que O temem.
Um Santo Natal para cada um de vós e para as vossas famílias.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Natal Digital...

O Evangelho do dia 28 de Dezembro de 2011

Tendo eles partido, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e lhe disse: «Levanta-te, toma o Menino e Sua mãe, foge para o Egipto, e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o Menino para O matar». ele, levantando-se de noite, tomou o Menino e Sua mãe, e retirou-se para o Egipto. Lá esteve até à morte de Herodes, cumprindo-se deste modo o que tinha sido dito pelo Senhor por meio do profeta: “Do Egipto chamei o Meu filho”. Então Herodes, percebendo que tinha sido enganado pelos Magos, irou-se em extremo, e mandou matar, em Belém e em todos os seus arredores, todos os meninos de idade de dois anos para baixo, segundo a data que tinha averiguado dos Magos. Cumpriu-se então o que estava anunciado pelo profeta Jeremias: “Uma voz se ouviu em Ramá, pranto e grande lamentação; Raquel chorando os seus filhos, sem admitir consolação, porque já não existem”.


Mt 12, 13-18

«Senhor nosso Deus, que neste dia fostes glorificado, não pelas palavras, mas pelo sangue dos Mártires Inocentes»

Aonde leva a inveja? [...] O crime hoje cometido no-lo mostra: o medo de que exista um rival para o seu reino enche de angústia a Herodes; maquina então suprimir o «Rei que acaba de nascer» (Mt 2,2), o Rei eterno; luta contra o seu Criador e decide matar inocentes [...]. Que erros tinham aquelas crianças cometido? Nada haviam dito suas línguas mudas, nada seus olhos haviam visto, seus ouvidos escutado, suas mãos feito. Foi-lhes dada a morte, não tendo elas conhecido a vida. [...] Cristo lê o futuro e conhece os segredos dos corações, julga os pensamentos e escrutina as intenções (Sl 138): porque as abandonou? [...] Porque negligenciou o Rei do céu recém-nascido estes companheiros de inocência, porque esqueceu as sentinelas de serviço em redor do Seu berço, levando a que o inimigo, com a intenção de atingir o Rei, devastasse por completo o exército?


Irmãos, Cristo não abandonou os Seus soldados, antes os encheu de glória ao permitir-lhes triunfar antes de viver, e ganhar a vitória sem que tivessem de combater. [...] Ele quis que possuíssem o céu, de preferência à terra [...], enviou-os à Sua frente como arautos. Não os abandonou: salvou a Sua guarda avançada, não a esqueceu [...].


Bem-aventurados os que trocaram os trabalhos pelo repouso, as dores pelo alívio, o sofrimento pela alegria. Estão vivos, vivos, vivem realmente, os que sofreram a morte por Cristo. [...] Felizes as lágrimas que as mães verteram por seus filhos: valeram-lhes a graça do baptismo. [...] Que Aquele que Se dignou repousar no nosso estábulo queira também conduzir-nos aos prados do céu.


São Pedro Crisólogo (c. 406-450), bispo de Ravena, doutor da Igreja
Sermão 152; PL 52, 604

«Onde está o Rei dos judeus, que acaba de nascer?» (Mt 2, 2)

Herodes, o rei traidor, enganado pelos magos, envia os seus esbirros a Belém e arredores, para matar todas as crianças com menos de dois anos. [...] Nada porém conseguiste obter, bárbaro cruel e arrogante: podes fazer mártires, mas não conseguirás encontrar a Cristo. O infeliz tirano estava convencido de que o advento do Senhor, nosso Salvador, o faria cair de seu trono real. Mas não foi assim, pois Cristo não tinha vindo usurpar a glória de outro, mas ofertar-nos a Sua. Ele não tinha vindo apoderar-Se de um reino terreno, mas dar-nos o Reino dos Céus. Ele não tinha vindo roubar dignidades, mas sofrer injúrias e sevícias. Ele não tinha vindo preparar a sagrada cabeça para um diadema de pedrarias, mas para uma coroa de espinhos. Ele não tinha vindo para se instalar gloriosamente acima dos ceptros, mas para ser ultrajado e crucificado.

Ao nascimento do Senhor, «o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele» (Mt 2, 3). Não é de espantar que a impiedade se perturbe com o nascimento da bondade. Eis que um homem que domina exércitos se assusta diante de uma criança deitada numa manjedoura, que um rei orgulhoso treme diante do humilde, que aquele que se veste de púrpura receia um pequenino envolto em panos. [...] Fingiu querer adorar Aquele que procurava destruir (Mt 2, 8). Mas a Verdade não receia as emboscadas da mentira. [...] A traição não consegue encontrar a Cristo, porque não é pela crueldade, mas pelo amor, que se deve procurar a Deus, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Ámen.


Eusébio Galicano (século V), monge, depois bispo
Sermão 219; PL 39, 2150

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O Evangelho do dia 27 de Dezembro de 2011


Correu então, e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo a quem Jesus amava, e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Partiu, pois, Pedro com o outro discípulo e foram ao sepulcro. Corriam ambos juntos, mas o outro discípulo corria mais do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. Tendo-se inclinado, viu os lençóis no chão, mas não entrou. Chegou depois Simão Pedro, que o seguia, entrou no sepulcro e viu os lençóis postos no chão, e o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus, que não estava com os lençóis, mas enrolado num lugar à parte.8 Entrou também, então, o outro discípulo que tinha chegado primeiro ao sepulcro. Viu e acreditou.


Jo 20, 2-8

Nasceu o Salvador!

«E o Verbo fez-Se homem e veio habitar connosco. E nós contemplámos a Sua glória, [...] cheia de graça e de verdade» (Jo 1,14)

Considero serem os quatro Evangelhos os elementos essenciais da fé da Igreja [...] e penso que as suas primícias estão [...] no Evangelho de João, o qual, para falar d'Aquele de quem outros fizeram a genealogia, se inicia precisamente por Aquele que não a tem. Com efeito, escrevendo para judeus que esperavam o descendente de Abraão e de David, Mateus diz: «Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão» (Mt 1,1); e Marcos, sabendo muito bem o que escreve, traz: «Princípio do Evangelho» (Mc 1,1). O fim do Evangelho, esse encontramo-lo em João: é o Verbo que era no princípio, a Palavra de Deus (cf. 1,1). E também Lucas reservou ao discípulo que repousou sobre o peito de Jesus (Jo 13,25) os maiores e mais perfeitos discursos sobre Ele. E nenhum mostrou a Sua divindade de modo tão absoluto como João, que O faz dizer: «Eu sou a luz do mundo» (8,12), «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (14,6), «Eu sou a Ressurreição» (11,25), «Eu sou a porta» (10,9), «Eu sou o Bom Pastor» (10,11) e, no Apocalipse, «Eu sou o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim» (22,13).


Por isso me atrevo a dizer que os Evangelhos são as primícias de toda a Escritura e que, dos Evangelhos, as primícias são o de João, do qual ninguém poderia abarcar todo o sentido a não ser que tivesse descansado sobre o peito de Jesus e recebido d'Ele Maria por Mãe (Jo 19,27). [...] Quando Jesus diz a Sua Mãe: «Eis o teu filho» e não «eis o homem que também é teu filho», é como se lhe dissesse «Eis o teu filho, gerado por ti», porquanto quem quer que chegue a viver em perfeição não é ele quem vive, mas Cristo que vive nele (Gl 2,20). [...] Será preciso ainda dizer de que inteligência teremos necessidade para podermos interpretar dignamente a palavra depositada, como um tesouro (2 Cor 4,7), nos vasos de barro do uso comum da linguagem, numa caligrafia que todos podem ler, e na palavra que todos podem ouvir se alguém lhe der voz e compreender se todos lhe prestarem atenção? Assim, para interpretarmos devidamente o Evangelho de João, em boa verdade basta-nos ser capazes de dizer: «quanto a nós, temos o pensamento de Cristo, para podermos conhecer os dons da graça de Deus» (1 Cor 2,16.12).


Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo
Comentário ao Evangelho de São João, I, 21-25

São João, Apóstolo e Evangelista

João, filho de Zebedeu e de Salomé, irmão de Tiago Maior, de profissão pescador, originário de Betsaida, como Pedro e André, ocupa um lugar de primeiro plano no elenco dos apóstolos. O autor do quarto Evangelho e do Apocalipse, será classificado pelo Sinédrio como indouto e inculto. No entanto, o leitor, mesmo que leia superficialmente os seus escritos, percebe não só o arrojo do pensamento, mas também a capacidade de revestir com criativas imagens literárias os sublimes pensamentos de Deus. A voz do juiz divino é como o mugido de muitas águas.


João é sempre o homem da elevação espiritual, mais inclinado à contemplação que à acção. É a águia que desde o primeiro bater das asas se eleva às vertiginosas alturas do mistério trinitário:"No princípio de tudo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e ele mesmo era Deus."




Ele está entre os mais íntimos de Jesus e nas horas mais solenes de sua vida João está perto. Está a seu lado na hora da ceia, durante o processo, e único entre os apóstolos, assiste à sua morte junto com Maria. Mas contrariamente a tudo o que possam fazer pensar as representações da arte, João não era um homem fantasioso e delicado. Bastaria o apelido humorista que o Mestre impôs a ele e a seu irmão Tiago: "Filhos do trovão" para nos indicar um temperamento vivaz e impulsivo, alheio a compromissos e hesitações, até aparecendo intolerante e cáustico.


No seu Evangelho designa a si mesmo simplesmente como "o discípulo a quem Jesus amava." Também se não nos é dado indagar sobre o segredo desta inefável amizade, podemos adivinhar uma certa analogia entre a alma do Filho do homem e a do filho do trovão, pois Jesus veio à terra não só trazer a paz mas também o fogo. Após a ressurreição, João está quase constantemente ao lado de Pedro. Paulo, na epístola aos gálatas, fala de Pedro, Tiago e João como colunas na Igreja.


No Apocalipse, João diz que foi perseguido e degredado para a ilha de Patmos "por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus Cristo". Conforme uma tradição unânime ele viveu em Éfeso em companhia de Maria e sob o imperador Domiciano foi colocado dentro de uma caldeira com óleo a ferver, mas saiu ileso e todavia com a glória de ter dado testemunho. Depois do exílio de Patmos voltou definitivamente para Éfeso, onde exortava continuamente os fiéis ao amor fraterno, resultando em três cartas, acolhidas entre os textos sagrados, assim como o Apocalipse e o Evangelho. Morreu carregado de anos em Éfeso durante o império de Trajano (98-117), onde foi sepultado.

O ensinamento do apóstolo São João

 

Se existe um assunto característico que mais sobressai nos escritos de João, é o amor. [...] Certamente João não é o único autor das origens cristãs que fala do amor. Sendo este um elemento essencial do cristianismo, todos os escritores do Novo Testamento falam dele, mesmo se com acentuações diferentes. Se agora nos detemos a reflectir sobre este tema em João, é porque ele nos traçou com insistência e de modo incisivo as suas linhas principais. Portanto, confiemo-nos às suas palavras.

Uma coisa é certa: ele não reflecte de modo abstracto, filosófico, ou até teológico, sobre o que é o amor. Não, ele não é um teórico. De facto, o verdadeiro amor, por sua natureza, nunca é meramente especulativo, mas faz referência directa, concreta e verificável, a pessoas reais. Pois bem, João, como apóstolo e amigo de Jesus mostra-nos quais são os componentes, ou melhor, as fases do amor cristão, um movimento que é caracterizado por três momentos.

O primeiro refere-se à própria Fonte do amor, que o Apóstolo coloca em Deus, chegando [...] a afirmar que «Deus é amor» (1 Jo 4, 8.16). João é o único autor do Novo Testamento que nos dá uma espécie de definição de Deus. Ele diz, por exemplo, que «Deus é Espírito» (Jo 4, 24) ou que «Deus é luz» (1 Jo 1, 5). Aqui proclama com intuição resplandecente que «Deus é amor». Observe-se bem: não é simplesmente afirmado que «Deus ama», nem sequer que «o amor é Deus»! Por outras palavras: João não se limita a descrever o agir divino, mas procede até às suas raízes. Além disso, não pretende atribuir uma qualidade a um amor genérico e talvez impessoal; não se eleva do amor até Deus, mas dirige-se directamente a Deus para definir a Sua natureza com a dimensão infinita do amor. Com isto João deseja dizer que a componente essencial de Deus é o amor e, portanto, que toda a actividade de Deus nasce do amor e está orientada para o amor: tudo o que Deus faz é por amor, mesmo se nem sempre podemos compreender imediatamente que Ele é amor, o verdadeiro amor.



Bento XVI
Audiência geral de 9/VIII/2006

São João Evangelista, Catequese de Bento XVI


João, o teólogo
Queridos irmãos e irmãs!
Antes das férias eu tinha começado a fazer pequenos retratos dos doze Apóstolos. Os Apóstolos eram companheiros de vida de Jesus, amigos de Jesus e este caminho deles com Jesus não era só um caminho exterior, da Galileia a Jerusalém, mas um caminho interior no qual aprenderam a fé em Jesus Cristo, não sem dificuldades porque eram homens como nós. Mas precisamente por isto, porque eram companheiros de vida de Jesus, amigos de Jesus que num caminho não fácil aprenderam a fé, são também guias para nós, que nos ajudam a conhecer Jesus Cristo, a amá-lo e a ter fé n'Ele. Eu já tinha falado sobre quatro dos doze Apóstolos: de Simão Pedro, do seu irmão André, de Tiago, o irmão de São João, e do outro Tiago, chamado "o Menor", que escreveu uma Carta que encontramos no Novo Testamento. E eu tinha começado a falar de João, o evangelista, mencionando na última audiência antes das férias os dados essenciais que traçam a fisionomia deste Apóstolo. Agora gostaria de concentrar a atenção sobre o conteúdo do seu ensinamento. Por conseguinte, os escritos dos quais hoje desejamos ocupar-nos são o Evangelho e as Cartas que têm o seu nome.
Se existe um assunto característico que mais sobressai nos escritos de João, é o amor. Não foi por acaso que quis iniciar a minha primeira Carta encíclica com as palavras deste Apóstolo: "Deus é amor (Deus caritas est); quem está no amor habita em Deus e Deus habita nele" (1 Jo 4, 16). É muito difícil encontrar textos do género noutras religiões. Portanto, tais expressões põem-nos diante de um dado verdadeiramente peculiar do cristianismo. Certamente João não é o único autor das origens cristãs que fala do amor. Sendo este um elemento essencial do cristianismo, todos os escritores do Novo Testamento falam dele, mesmo se com acentuações diferentes. Se agora nos detemos a reflectir sobre este tema em João, é porque ele nos traçou com insistência e de modo incisivo as suas linhas principais. Portanto, confiemo-nos às suas palavras. Uma coisa é certa: ele não reflecte de modo abstracto, filosófico, ou até teológico, sobre o que é o amor. Não, ele não é um teórico. De facto, o verdadeiro amor, por sua natureza, nunca é meramente especulativo, mas faz referência directa, concreta e verificável a pessoas reais. Pois bem, João, como apóstolo e amigo de Jesus mostra-nos quais são os componentes ou melhor as fases do amor cristão, um movimento caracterizado por três momentos.
O primeiro refere-se à própria Fonte do amor, que o Apóstolo coloca em Deus, chegando, como ouvimos, a afirmar que "Deus é amor" (1 Jo 4, 8.16). João é o único autor do Novo Testamento que nos dá uma espécie de definição de Deus. Ele diz, por exemplo, que "Deus é Espírito" (Jo 4, 24) ou que "Deus é luz" (1 Jo 1, 5). Aqui proclama com intuição resplandecente que "Deus é amor". Observe-se bem: não é simplesmente afirmado que "Deus ama", nem sequer que "o amor é Deus"! Por outras palavras: João não se limita a descrever o agir divino, mas procede até às suas raízes. Além disso, não pretende atribuir uma qualidade a um amor genérico e talvez impessoal; não se eleva do amor a Deus, mas dirige-se directamente a Deus para definir a sua natureza com a dimensão infinita do amor. Com isto João deseja dizer que o constitutivo essencial de Deus é o amor e, portanto, toda a actividade de Deus nasce do amor e está orientada para o amor: tudo o que Deus faz é por amor, mesmo se nem sempre podemos compreender imediatamente que Ele é amor, o verdadeiro amor.
Mas, a este ponto é indispensável dar um passo em frente e esclarecer que Deus demonstrou concretamente o seu amor entrando na história humana mediante a pessoa de Jesus Cristo, que encarnou, morreu e ressuscitou por nós. Este é o segundo momento constitutivo do amor de Deus. Ele não se limitou às declarações verbais, mas, podemos dizer, empenhou-se verdadeiramente e "pagou" em primeira pessoa. Como escreve precisamente João, "Tanto amou Deus o mundo (isto é: todos nós) que lhe entregou o seu Filho Unigénito" (Jo 3, 16). Agora, o amor de Deus pelos homens concretiza-se e manifesta-se no amor do próprio Jesus. João escreve ainda: Jesus "que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo" (Jo 13, 1). Em virtude deste amor oblativo e total nós somos radicalmente resgatados do pecado, como escreve ainda São João: "Filhinhos meus... se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, pois Ele é a vítima que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de todo o mundo" (1 Jo 2, 1-2; cf. 1 Jo 1, 7). Eis até onde chegou o amor de Jesus por nós: até à efusão do próprio sangue para a nossa salvação! O cristão, detendo-se em contemplação diante deste "excesso" de amor, não pode deixar de reflectir sobre qual é a resposta obrigatória. E penso que sempre e de novo cada um de nós deve interrogar-se sobre isto.
Esta pergunta introduz-nos no terceiro momento da dinâmica do amor: de destinatários receptivos de um amor que nos precede e nos domina, somos chamados ao compromisso de uma resposta activa, que para ser adequada só pode ser uma resposta de amor. João fala de um "mandamento". De facto, ele refere estas palavras de Jesus: "Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei" (Jo 13, 34). Onde está a novidade à qual Jesus se refere? Ela consiste no facto de que não se contenta de repetir o que já era exigido no Antigo Testamento e que lemos nos outros Evangelhos: "Ama o próximo como a ti mesmo" (Lv 19, 18; cf. Mt 22, 37-39; Mc 12, 29-31; Lc 10, 27). No antigo preceito o critério normativo era presumido a partir do homem ("como a ti mesmo"), enquanto que no preceito mencionado por João, Jesus apresenta como motivo e norma do nosso amor a sua própria pessoa: "Como Eu vos amei". É assim que o amor se torna verdadeiramente cristão, levando em si a novidade do cristianismo: quer no sentido de que ele deve destinar-se a todos sem distinções, quer porque deve sobretudo chegar até às últimas consequências, tendo unicamente como medida chegar ao extremo. Aquelas palavras de Jesus, "como Eu vos amei", convidam-nos e ao mesmo tempo preocupam-nos; são uma meta cristológica que pode parecer inalcançável, mas são, ao mesmo tempo, um estímulo que não nos permite acomodar-nos no que podemos realizar. Não permite que nos contentemos do que somos, mas estimula-nos a permanecer a caminho rumo a esta meta.
Aquele texto áureo de espiritualidade que é o pequeno livro do final da Idade Média intitulado Imitação de Cristo escreve a este propósito: "O nobre amor de Jesus estimula-nos a realizar coisas grandes e a desejar coisas sempre mais perfeitas. O amor quer estar no alto e não ser aprisionado por baixeza alguma. O amor quer ser livre e separado de qualquer afecto mundano... de facto, o amor nasceu de Deus, e só pode repousar em Deus acima de todas as coisas criadas. Quem ama voa, corre e rejubila, é livre, e nada o retém. Dá tudo a todos e tem tudo em todas as coisas, porque encontra repouso no Único grande que está acima de todas as coisas, do qual brota e provém qualquer bem" (livro III, cap. 5). Qual melhor comentário do que o "mandamento novo", enunciado por João? Pedimos ao Pai que o possamos viver, mesmo se sempre de modo imperfeito, tão intensamente que contagiemos a todos os que encontrarmos no nosso caminho.
***
Saudações
Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente os fiéis da paróquia de São Bernardo e restantes grupos de Portugal e do Brasil, com votos de que os vossos corações sejam inundados pelo amor de Deus, que se manifestou em Jesus Cristo. Ele levou até ao extremo o seu amor por nós e disse: "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei". O nobre amor de Jesus impele-nos a realizar coisas grandes e faz-nos desejar coisas sempre mais perfeitas. Modelo excelso disto mesmo é a Virgem Maria assunta ao Céu em corpo e alma, cuja festa nos preparamos para celebrar, pedindo-lhe, para vós e vossas famílias, a abundância deste amor que nasce de Deus e não pode repousar senão em Deus.
Saúdo os peregrinos da Polónia. A visita aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo suscite nos vossos corações a consolidação da fé, da esperança e do amor. Desejo a todos boas e felizes férias. Deus abençoe a vós e aos vossos familiares. Louvado seja Jesus Cristo!
Dou agora as cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo a vós queridos seminaristas provenientes de diversas Dioceses italianas, reunidos em Sacrofano para o encontro estival dos seminaristas maiores, e desejo que valorizeis os ensinamentos e as experiências espirituais destes dias. Depois saúdo a vós, participantes no campo internacional promovido pela Obra Giorgio La Pira, de Florença, e garanto a minha oração para que o Senhor enriqueça de frutos a vossa actividade cultural e religiosa. O meu pensamento dirige-se ainda, a vós, jovens que participais no Encontro internacional promovido pelos Frades Menores Conventuais. Deus faça com que sejais cada vez mais testemunhas e construtores de paz, seguindo as pegadas do Pobrezinho de Assis.
Por fim, como de costume, dirijo a minha saudação a vós, queridos jovens, doentes e novos casais. Celebramos hoje a festa de Santa Teresa Benedita da Cruz, Edith Stein, co-Padroeira da Europa. Esta heróica testemunha do Evangelho ajude cada um a ter sempre confiança em Cristo e a encarnar na própria existência a sua mensagem de salvação.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A NOVA EVANGELIZAÇÃO

Pelo(então Cardeal) J. Ratzinger
aos Catequistas e Professores de Religião e Moral
  
A vida humana não se realiza por si só. A nossa vida é uma questão aberta, um projecto incompleto que ainda deve ser terminado e realizado. A pergunta fundamental de cada homem é: como se realiza isto tornar-se homem? Como se aprende a arte de viver? Qual é o caminho da felicidade? Evangelizar significa mostrar este caminho. Jesus diz no início da sua vida pública: Vim para evangelizar os pobres (cf. Lc 4, 18); isto significa: eu tenho a resposta para a vossa pergunta fundamental; eu indico-vos o caminho da vida, o caminho da felicidade ou melhor: eu sou esse caminho. A maior pobreza é a incapacidade de alegria, o tédio da vida considerada absurda e contraditória. Esta pobreza hoje está muito difundida, em formas muito diferentes, quer nas sociedades materialmente ricas quer também nos países pobres. A incapacidade de alegria supõe e causa a incapacidade de amar, inveja, avareza todos estes são vícios que devastam a vida dos indivíduos e o mundo. Eis por que precisamos de uma nova evangelização se a arte de viver permanece desconhecida, tudo o mais deixa de funcionar. Mas esta arte não é objecto da ciência esta arte só pode ser comunicada por quem tem a vida aquele que é o Evangelho em pessoa.
I. Estrutura e método na nova evangelização
1. A estrutura
Antes de falar dos conteúdos fundamentais da nova evangelização desejaria dizer uma palavra acerca da sua estrutura e método adequados. A Igreja evangeliza sempre e jamais interrompeu o caminho da evangelização. Celebra todos os dias o mistério eucarístico, administra os sacramentos, anuncia a palavra da vida a palavra de Deus, empenha-se pela justiça e pela caridade. E esta evangelização dá frutos: produz luz e alegria, dá o caminho da vida a muitas pessoas; há quem viva, muitas vezes sem saber, da luz e do calor resplandecente desta evangelização permanente. Contudo, observamos um processo progressivo e preocupante de descristianização e de perda dos valores humanos essenciais. Uma boa parte da humanidade de hoje não encontra na evangelização permanente da Igreja o Evangelho, ou seja, uma resposta convincente à pergunta: como viver? Eis por que procuramos, além da evangelização permanente, jamais interrompida e que nunca se deve deter, uma nova evangelização, capaz de se fazer ouvir por aquele mundo que não encontra o acesso à evangelização "clássica". Todos têm necessidade do Evangelho; o Evangelho destina-se a todos e não apenas a um círculo determinado, e portanto somos obrigados a procurar novos caminhos para levar o Evangelho a todos. Mas também se esconde nisto uma tentação a tentação da impaciência, a tentação de procurar imediatamente o grande sucesso, de procurar os grandes números. E este não é o método de Deus. Para o reino de Deus e a evangelização, instrumento e veículo do reino de Deus, é sempre válida a parábola do grão de mostarda (cf. Mc 31-32). O reino de Deus recomeça sempre de novo sob este sinal. Nova evangelização não pode significar: atrair imediatamente com novos métodos mais requintados as grandes multidões que se afastaram da Igreja. Não é esta a promessa da nova evangelização. Nova evangelização significa: não contentar-se com o facto de que do grão de mostarda cresceu a grande árvore da Igreja universal, não pensar que é suficiente que nos seus ramos muito diferentes as aves possam encontrar lugar mas ousar de novo com a humildade do pequeno grão, deixando para Deus quando e como crescerá (cf. Mc 4, 26-29). As grandes coisas começam sempre do pequeno grão e os movimentos em massa são sempre efémeros. Na sua visão do processo da evolução, Teilhard de Chardin fala do "branco das origens" (le blanc des origines): o início das novas espécies é invisível e a investigação científica não o pode encontrar. As fontes são escondidas muito pequenas. Por outras palavras: as grandes realidades iniciam-se em humildade. Deixemos de lado se e até que ponto Teilhard tem razão com as suas teorias evolucionistas; a lei das origens invisíveis diz uma verdade uma verdade presente precisamente no agir de Deus na história: "Não te elegi porque és grande, ao contrário és o mais pequeno de entre os povos; elegi-te porque te amo...", diz Deus ao povo de Israel no Antigo Testamento e exprime desta forma o paradoxo fundamental da história da salvação: sem dúvida, Deus não conta com os grandes números; o poder exterior não é o sinal da sua presença. Grande parte das parábolas de Jesus indica esta estrutura do agir divino e responde desta forma às preocupações dos discípulos, os quais esperavam outro tipo de sucesso e de sinais do Messias sucessos do género dos que Satanás ofereceu ao Senhor: dou-te todos os reinos do mundo tudo isto... (cf. Mt 4, 9). Sem dúvida, Paulo, no final da sua vida, teve a impressão de ter levado o Evangelho aos confins da terra, mas os cristãos eram pequenas comunidades espalhadas no mundo, insignificantes segundo os critérios seculares. Na realidade foram o germe que penetrou na massa a partir de dentro e levaram em si o futuro do mundo (cf. Mt 13, 33). Um antigo provérbio diz: "Sucesso não é um nome de Deus". A nova evangelização deve submeter-se ao mistério do grão de mostarda e não pretender produzir imediatamente a grande árvore. Nós ou vivemos demasiado na certeza da grande árvore que já existe ou na impaciência de possuir uma árvore maior, mais vital ao contrário, devemos aceitar o mistério que a Igreja é ao mesmo tempo grande árvore e pequeníssimo grão. Na história da salvação é sempre Sexta-Feira Santa e, simultaneamente, Domingo de Páscoa...
2. O método
Desta estrutura da nova evangelização deriva também o método justo. Sem dúvida, devemos usar de modo razoável os métodos modernos para nos fazer ouvir, ou melhor: para tornar acessível e compreensível a voz do Senhor... Não procuramos escuta para nós não queremos aumentar o poder e a extensão das nossas instituições, mas desejamos servir o bem das pessoas e da humanidade dando espaço Àquele que é a Vida. Esta expropriação do próprio eu oferecendo Cristo para salvação dos homens, é condição fundamental do verdadeiro empenho pelo evangelho. "Vim em nome de Meu Pai e não Me recebestes, mas se vier outro, em seu próprio nome, recebêlo-eis" (Jo 5, 43). O sinal distintivo do Anticristo é falar em seu nome. O sinal do Filho é a sua comunhão com o Pai. O Filho introduz-nos na comunhão trinitária, no círculo do eterno amor, cujas pessoas são "relações puras", o acto puro do doar-se e receber-se. O desígnio trinitário visível no Filho, que não fala em seu nome mostra a forma de vida do verdadeiro evangelizador aliás, evangelizar não é simplesmente uma forma de falar, mas uma forma de viver: viver em escuta e fazer-se voz do Pai. "Não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido", diz o Senhor acerca do Espírito Santo (cf. Jo 16, 13). Esta forma cristológica e pneumatológica da evangelização é simultaneamente uma forma eclesiológica: o Senhor e o Espírito constroem a Igreja, comunicamse na Igreja. O anúncio de Cristo, o anúncio do reino de Deus pressupõe escuta da sua voz na voz da Igreja. "Não falará de Si mesmo" significa: falar na missão da Igreja... Desta lei da expropriação derivam consequências muito práticas. Todos os métodos razoáveis e moralmente aceitáveis devem ser estudados - é um dever fazer uso destas possibilidades de comunicação. Mas as palavras e toda a arte da comunicação não podem conquistar a pessoa humana naquela profundidade, à qual deve chegar o Evangelho. Há alguns anos li a biografia de um óptimo sacerdote do nosso século, Pe. Didimo, pároco de Bassano del Grappa (Itália). Nas suas notas encontram-se palavras de ouro, fruto de uma vida de oração e de meditação. A respeito de nós diz Pe. Didimo: "Jesus pregava de dia, de noite rezava". Com esta breve notícia, ele queria dizer: Jesus devia obter de Deus os discípulos. Isto é válido sempre. Nós não podemos ganhar os homens. Devemos obtê-los de Deus para Deus. Todos os métodos são vazios sem o fundamento da oração. A palavra do anúncio deve estar sempre imersa numa intensa vida de oração. Devemos dar um ulterior passo. Jesus pregava de dia, de noite rezava o que não é tudo. A sua vida inteira foi como mostra de maneira admirável o evangelho de São Lucas um caminho rumo à cruz, ascensão rumo a Jerusalém. Jesus não redimiu o mundo com palavras bonitas, mas com o seu sofrimento e a sua morte. Esta sua paixão é a fonte inexaurível de vida para o mundo; a paixão dá força à sua palavra. O próprio Senhor estendendo e ampliando a parábola do grão de mostarda formulou esta lei de fecundidade na parábola do grão que, ao cair na terra, morre (cf. Jo 12, 24). Esta lei também é válida até ao fim do mundo e é juntamente com o mistério do grão de mostarda fundamental para a nova evangelização. Toda a história o demonstra. Seria fácil demonstrar isto na história do cristianismo. Desejo recordar aqui apenas o início da evangelização na vida de São Paulo. O ucesso da sua missão não foi o resultado de uma grande arte retórica ou de prudência pastoral; a fecundidade estava relacionada com o sofrimento, com a comunhão na paixão de Cristo (cf. 1 Cor 2, 1-5; 2 Cor 5, 7; 11, 10 s; 11, 30; Gl 4, 12-14). "Nenhum sinal será dado a não ser o sinal do profeta Jonas", disse o Senhor. O sinal de Jonas é Cristo crucificado são as testemunhas, que completam o "que falta aos sofrimentos de Cristo" (Cl 1, 24). Em todos os períodos da história verificou-se sempre de novo as palavras de Tertuliano: o sangue dos mártires é semente. Santo Agostinho diz o mesmo de uma maneira muito bonita, ao interpretar Jo 21, onde a profecia do martírio de Pedro e o mandato de apascentar, ou seja, a instituição da sua primazia, estão intimamente relacionados. Santo Agostinho comenta o texto de Jo 21, 16 da seguinte forma: "Apascenta as minhas ovelhas", o que significa, sofre pelas minhas ovelhas (Sermo Guelf. 32; PLS 2, 640). Uma mãe não pode dar luz a uma criança sem sofrer. Qualquer parto requer sofrimento, é dor, e tornar-se cristão é um parto. Digamo-lo mais uma vez com palavras do Senhor: o reino de Deus exige violência (cf. Mt11, 12; Lc 16, 16), mas a violência de Deus é o sofrimento, é a cruz. Não podemos dar a vida a outros, sem dar a nossa vida. O processo de expropriação acima mencionado é a forma concreta (expressa de muitas formas diferentes) de doar a própria vida. E pensamos na palavra do Salvador: "...quem perder a sua vida por Mim e pelo Evangelho, salvá-la-á..." (Mc 8, 36).
II. Os conteúdos essenciais da nova evangelização
1. Conversão
No que se refere aos conteúdos da nova evangelização deve-se ter presente em primeiro lugar a inseparabilidade do Antigo e do Novo Testamento. O conteúdo fundamental do Antigo Testamento está resumido na mensagem de João Baptista: Convertei-vos! Não se acede a Jesus sem o Baptista; não existe possibilidade de chegar a Jesus sem responder ao apelo do precursor; aliás: Jesus assumiu a mensagem de João na síntese da sua própria pregação: convertei-vos e acreditai no Evangelho (cf. Mc 1, 15). A palavra grega converter-se significa: reconsiderar pôr em questão o próprio modo de viver e o comum; deixar entrar Deus nos critérios da própria vida; não julgar simplesmente de acordo com as opiniões correntes. Converter-se significa por conseguinte: não viver como vivem todos, não fazer como fazem todos, não sentir-se justificados em acções duvidosas, ambíguas, perversas simplesmente porque há quem o faça; começar a ver a própria vida com os olhos de Deus, portanto procurar o bem, mesmo se não é agradável; não apostar no juízo da maioria, mas no juízo de Deus por outras palavras: procurar um novo estilo de vida, uma vida nova. Tudo isto não implica um moralismo; a limitação do cristianismo à moralidade perde de vista a essência da mensagem de Cristo: o dom de uma nova amizade, o dom da comunhão com Jesus e por conseguinte com Deus. Quem se converte a Cristo não pretende criar uma autonomia moral própria, não pretende construir com as próprias forças a sua bondade. "Conversão" (Metanoia) significa precisamente o contrário: abandonar a autosuficiência, descobrir e aceitar a própria indigência indigência dos outros e do Outro, do seu perdão, da sua amizade. A vida não convertida é autojustificação (não sou pior do que os outros); a conversão é a humildade de se confiar ao amor do Outro, amor que se torna medida e critério da minha própria vida. Devemos ter também presente o aspecto social da conversão. Sem dúvida, a conversão é em primeiro lugar um acto pessoalíssimo, é personalização. Eu separo-me da fórmula "viver como todos" (já não me sinto justificado pelo facto de que todos fazem o que eu faço) e encontro perante Deus o meu próprio eu, a minha responsabilidade pessoal. Mas a verdadeira personalidade também é sempre uma nova e mais profunda socialização. O eu abre-se de novo ao tu, em toda a sua profundidade, e desta forma nasce um novo Nós. Se o estilo de vida difundido no mundo implica o perigo da despersonalização, do viver não a minha vida mas a vida dos outros, na conversão deve realizar-se um novo Nós do caminho comum com Deus. Ao anunciar a conversão também devemos oferecer uma comunidade de vida, um espaço comum do novo estilo de vida. Não se pode evangelizar só com palavras; o evangelho cria vida, cria comunidade de caminho; uma conversão meramente individual não tem consistência...
2. O Reino de Deus
Na chamada à conversão está implícito como sua condição fundamental o anúncio do Deus vivo. O teocentrismo é fundamental na mensagem de Jesus e também deve ser o centro da nova evangelização. A palavra-chave do anúncio de Jesus é: Reino de Deus. Mas Reino de Deus não é uma coisa, uma estrutura social ou política, uma utopia. O Reino de Deus é Deus. Reino de Deus significa:
Deus existe. Deus vive. Deus está presente e age no mundo, na nossa na minha vida. Deus não é uma remota "causa última", Deus não é o "grande arquitecto" do deísmo, que construiu a máquina do mundo e agora se encontra fora.
Ao contrário: Deus é a realidade mais presente e decisiva em qualquer acto da minha vida, em todos os momentos da história. Na sua conferência de despedida da cátedra na universidade de Monastério, o teólogo J. B. Metz disse coisas que dele não se esperavam. No passado, Metz ensinou-nos o antropocentrismo o verdadeiro acontecimento do cristianismo teria sido a viragem antropológica, a secularização, a descoberta do secularismo no mundo. Depois, ensinou-nos a teologia política o carácter político da fé; depois a "memória perigosa"; finalmente a teologia narrativa. Depois deste caminho longo e difícil hoje dizemos: o verdadeiro problema do nosso tempo é a "crise de Deus", a ausência de Deus, camuflada por uma religiosidade vazia. A teologia deve voltar a ser realmente “teo-logia”, um falar de Deus e com Deus. Metz tem razão: para o homem, o "unum necessarium" é Deus. Tudo muda se Deus está ou não está presente. Infelizmente também nós cristãos vivemos muitas vezes como se Deus não existisse ("si Deus non daretur"). Vivemos segundo o slogan: Deus não está presente, e se está, não tem incidência. Por isso a evangelização deve, antes de mais, falar de Deus, anunciar o único Deus verdadeiro: o Criador o Santificador o Juiz (cf. Catecismo da Igreja Católica). Também neste ponto se deve ter presente o aspecto prático. Deus não se pode dar a conhecer unicamente com as palavras. Não se conhece uma pessoa, se não sabemos directamente nada dela. Anunciar Deus é introduzir na relação com Deus: ensinar a rezar. A oração é fé em acto. E só na experiência da vida com Deus se manifesta também a evidência da sua existência. Eis por que são tão importantes as escolas de oração, de comunidade de oração. Existe complementaridade entre oração pessoal ("no próprio quarto", sozinhos perante os olhos de Deus), oração comum "para litúrgica" ("religiosidade popular") e oração litúrgica. Sim, a liturgia é, em primeiro lugar, oração; a sua especificidade consiste no facto que o seu sujeito primário não somos nós (como na oração privada e na religiosidade popular), mas o próprio Deus a liturgia é actio divina, Deus age e nós respondemos à acção divina. Falar de Deus e falar com Deus são duas acções que devem andar sempre juntas. O anúncio de Deus orienta para a comunhão com Deus na comunhão fraterna, fundada e vivificada por Cristo. Portanto a liturgia (os sacramentos) não é um tema paralelo à pregação do Deus vivo, mas a concretização da nossa relação com Deus. Neste contexto, seja-me permitida uma observação geral sobre a questão litúrgica. O nosso modo de celebrar a liturgia com frequência é demasiado racional. A liturgia torna-se ensinamento, cujo critério é: fazer-se compreender a consequência é com frequência a banalização do mistério, o prevalecer das nossas palavras, a repetição das fraseologias que parecem mais acessíveis e mais agradáveis ao povo. Mas isto é um erro não só teológico, mas também psicológico e pastoral. A onda do esoterismo, a difusão de técnicas asiáticas de distensão e auto-esvaziamento mostram que nas nossas liturgias falta algo. Precisamente no nosso mundo de hoje precisamos do silêncio, do mistério supraindividual, da beleza. A liturgia não é invenção do sacerdote celebrante ou de um grupo de especialistas; a liturgia (o "rito") cresceu num processo orgânico ao longo dos séculos, leva em si o fruto da experiência de fé de todas as gerações. Mesmo se os participantes talvez não entendam todas as palavras, compreendem o significado profundo, a presença do mistério, que transcende todas as palavras. O celebrante não é o centro da acção litúrgica; o celebrante não está em frente do povo em seu nome não fala se si nem para si, mas "in persona Christi". Não contam as capacidades pessoais do celebrante, mas unicamente a sua fé, na qual se Cristo se torna transparente. "Ele deve crescer e eu diminuir" (Jo 3, 30).
3. Jesus Cristo
Com esta reflexão o tema Deus já se alargou e concretizou no tema Jesus Cristo: só em Cristo e através de Cristo o tema Deus se torna realmente concreto: Cristo é Emanuel, o Deus connosco a concretização do "Eu sou", a resposta ao Deísmo. Hoje é grande a tentação de reduzir Jesus Cristo, o único filho de Deus a um Jesus histórico, a um homem puro. Não se nega necessariamente a divindade de Jesus, mas com certos métodos destila-se da Bíblia um Jesus à nossa medida, um Jesus possível e compreensível dentro dos parâmetros da nossa historiografia. Mas este "Jesus histórico" é inatural, a imagem dos seus autores e não a imagem do Deus vivo (cf. 2 Cor 4, 4 s.; Cl 1, 15). O Cristo da fé não é um mito; o chamado Jesus histórico é uma figura mitológica, auto-inventada pelos diferentes intérpretes. Os duzentos anos de história de "Jesus histórico" reflectem fielmente a história das filosofias e das ideologias deste período. No âmbito desta conferência, não posso tratar os conteúdos do anúncio do Salvador. Desejaria brevemente mencionar dois aspectos importantes. O primeiro é o seguimento de Cristo. Cristo oferece-se como caminho para a minha vida. Seguimento de Cristo não significa: imitar o homem Jesus. Uma tentativa como esta falha necessariamente seria um anacronismo. O seguimento de Cristo tem uma meta mais alta: assimilar-se a Cristo, isto é, alcançar a união com Deus. Estas palavras talvez soem mal aos ouvidos do homem moderno. Mas na realidade todos temos sede do infinito: de uma liberdade infinita, de uma felicidade sem limites. Toda a história das revoluções dos últimos dois séculos só se explica desta forma. A droga explica-se assim. O homem não se contenta com soluções abaixo do nível da divinização. Mas todos os caminhos oferecidos pela "serpente" (Gn 3, 5), que significa pela sabedoria mundana, falham. O único caminho é a comunhão com Cristo, realizável na vida sacramental. Seguimento de Cristo não é um assunto de moral, mas um tema "místico" um conjunto de acção divina e de resposta da nossa parte. Desta forma encontramos presente no tema seguimento o outro centro da cristologia, que desejaria mencionar: o mistério pascal a cruz e a ressurreição. Nas reconstruções do "Jesus histórico" normalmente o tema da cruz não tem significado. Numa interpretação "burguesa" torna-se um acidente em si evitável, sem valor teológico; numa interpretação revolucionária torna-se a morte heróica de um rebelde. Mas a verdade é outra. A cruz pertence ao mistério divino é expressão do seu amor até ao fim (cf. Jo 13, 1). O seguimento de Cristo é participação da sua cruz, unir-se ao seu amor, à transformação da nossa vida, que se torna nascimento do homem novo, criado à imagem de Deus (cf. Ef 4,24). Quem omite a cruz, omite a essência do cristianismo (cf. 1 Cor 2, 2).
4. A vida eterna
Um último elemento central de qualquer evangelização autêntica é a vida eterna. Hoje devemos anunciar a fé com renovado vigor na vida quotidiana. Neste ponto, desejaria mencionar apenas um aspecto da pregação de Jesus que hoje, muitas vezes, é negligenciado: o anúncio do Reino de Deus é o anúncio do Deus presente, do Deus que nos conhece, nos ouve; do Deus que entra na história, para fazer justiça. Portanto, esta pregação é também anúncio do juízo, anúncio da nossa responsabilidade. O homem não pode fazer ou deixar de fazer o que lhe apetece. Ele será julgado. Deve prestar contas. Esta certeza é válida tanto para os poderosos como para os simples. Onde ela é honrada, são delineados os limites de qualquer poder deste mundo. Deus faz justiça, e só ele o pode fazer por último. Nós consegui-lo-emos tanto mais, quanto mais formos capazes de viver sob o olhar de Deus e de comunicar ao mundo a verdade do juízo. Desta forma, o artigo de fé do juízo, a sua força de formação das consciências, é um conteúdo central do Evangelho e é deveras uma Boa Nova. E também o é para todos os que sofrem sob a injustiça do mundo e procuram a justiça. Compreende-se desta forma o nexo entre o Reino de Deus e os "pobres", os que sofrem e todos aqueles dos quais falam as bem-aventuranças do sermão da montanha. Eles são protegidos pela certeza do juízo, pela certeza que existe a justiça. Eis o verdadeiro conteúdo do artigo sobre o juízo, sobre Deus-juiz: há justiça. As injustiças do mundo não são a última palavra da história. Existe uma justiça. Só quem não quer que haja justiça, se pode opor a esta verdade. Se tomarmos a sério o juízo e a seriedade da responsabilidade que disso nos advém, compreendemos bem o outro aspecto deste anúncio, isto é, a redenção, o facto de que na cruz Jesus assume os nossos pecados; que o próprio Deus na paixão do Filho se torna advogado de nós, pecadores, e desta forma torna possível a penitência, a esperança para o pecador arrependido, esperança expressa maravilhosamente nas palavras de São João: diante de Deus, tranquilizaremos o nosso coração, independentemente do que eles nos reprova. "Deus é maior que os nossos corações e conhece todas as coisas" (1 Jo 3, 20). A bondade de Deus é infinita, mas não devemos reduzir esta bondade a uma pieguice afectada sem verdade. Só acreditando no justo juízo de Deus, só tendo fome e sede de justiça (cf. Mt 5, 6) é que abrimos o nosso coração, a nossa vida à misericórdia divina. Vê-se: não é verdade que a fé na vida eterna torna insignificante a vida terrena. Pelo contrário: só se a medida da nossa vida for a eternidade, também a vida na terra é grande e o seu valor é imenso. Deus não é o concorrente da nossa vida, mas a garantia da nossa grandeza. Desta forma voltamos ao ponto de partida: Deus. Se considerarmos bem a mensagem cristã, não falamos de muitas coisas. Na realidade, a mensagem cristã é muito simples. Falamos de Deus e do homem e, desta forma, dizemos tudo.
Intervenção do (então) Cardeal Joseph Ratzinger durante o
Congresso dos Catequistas e Professores de Religião,
10 de Dezembro de 2000